sábado, 12 de maio de 2012

“É PRECISO PRESTAR MUITA ATENÇÃO QUANDO OS CAVALOS CHORAM. É SEMPRE POR UMA COISA IMPORTANTE”

Creio que as frases que intitulam esta postagem são suficientes para extravasar a minha empolgação diante de “O Menino do Dedo Verde” (1957), maravilhoso livro infantil do francês Maurice Druon que li na manhã de hoje: lindo, absolutamente lindo!

 É um livro curtinho, com pouco menos de 150 páginas, com texto simples (porém carregado de poesias e metáforas), daqueles que se lê em apenas uma sentada, mas que nos acompanha por dias a fio, de tão profundas que são as suas reflexões e ensinamentos. A trama é demasiado singela: um garotinho batizado como João Batista, mas chamado, na verdade, Tistu, sendo filho de pai e mãe muito bonitos e muito ricos, descobre, com o auxílio de um jardineiro, de tem o dor de fazer nascerem flores onde toca com o seu polegar. Contar mais seria privar o leitor de descobrir os diversos encantos desta pequena obra-prima, mas, levando-se em consideração que tive acesso não-coincidente a esta jóia logo após finalmente terminar a primeira leitura da embasbacadora bíblia epistemológica do Paul Feyerabend, sou obrigado a destacar aqui uma pequena citação do primeiro capítulo: “se só viemos ao mundo para ser um dia gente grande, logo as idéias pré-fabricadas se alojam facilmente em nossa cabeça, à medida que ela aumenta. Essas idéias, pré-fabricadas há muito tempo, estão todas nos livros. Por isso, se a gente se aplica à leitura ou escuta com atenção os que leram muito, consegue bem depressa ser pessoa importante, igual a todas as outras”. Repito: esta citação está contida no primeiro dos vinte capítulos do livro. Muita coisa é dita e desdita após esta primeira constatação!

Oportunamente, a citação acima me conduz ao aprendizado em constante mutação que se apossou de mim após a leitura do derradeiro capítulo da edição de “Contra o Método” (1975) que tive o prazer de ler. Lá, o autor Paul Feyerabend deixa bem claro a sua insatisfação diante de um clamor reiterado à separação entre Estado e Igreja que faz ignorar a também necessária distinção entre Estado e Ciência. Diz ele: “a ciência não tem autoridade maior que a de qualquer outra forma de vida. Seus objetos não são, por certo, mais importantes que os propósitos orientadores de uma comunidade religiosa ou de uma tribo que se mantém unida graças a um mito” (página 454, da edição lançada pela Francisco Alves). Segue-se uma descrição minuciosa da demonstração de que “a sociedade moderna é ‘copernicana’, mas não porque a doutrina de Copérnico haja sido posta em causa, submetida a um debate democrático e então aprovada pela maioria simples; é ‘copernicana’ porque os cientistas são copernicanos e porque lhes aceitamos a cosmologia tão acriticamente quanto, no passado, se aceitou a cosmologia de bispos e cardeais” (p. 456, grifo do autor). E, para aqueles que ainda não entenderam o seu argumento, o arremate ousadamente genial: “uma ciência que insiste em ser a detentora do único método correto e dos únicos resultados aceitáveis é ideologia e deve ser separada do Estado e, especialmente, dos processos de educação. Cabe ensiná-la, mas tão-somente àqueles que decidiram aderir a essa particular superstição” (p.464). E, aqui, eu me encontrei enquanto pesquisador e ser humano!

Preciso deixar bem claro, obviamente, que eu percebo que tachar este livro genial de “bíblia epistemológica” é uma redução tipificadora que parece ir de encontro aos pressupostos discursivos de seu autor, mas, por outro lado, o gradual conflito de definições embutida nesta expressão está de acordo com a nota de rodapé na qual o autor prefere ser lembrado “como um dadaísta irreverente e não um anarquista sério” (p.26). O que, reabrindo um círculo, nos leva de volta à obra-prima infantil que li na manhã de hoje, em que o protagonista Tistu é submetido a diferentes formas de ensinamento formal: primeiro, uma escola tradicional, onde é reprovado porque “não é como todo mundo”; segundo, um estágio de jardinagem, através do qual ele descobre o seu dom de florescimento; e, terceiro, uma exposição apologética ao conceito de ordem crido por um funcionário de seu pai, que trabalha numa fábrica de canhões e lhe mostra os desmazelos sociais que desencadeiam nas prisões e nas favelas e que acrescenta em seu caderno de notas, sobre Tistu: “é preciso vigiar de perto esse menino: ele pensa demais”. As manifestações de legítima inteligência associativa e, ao mesmo tempo, crítica que o menino extrai a partir destes três principais ensinamentos encheria de orgulho o notório epistemólogo austríaco. E, como tal, recomendo o referido livro com meu coração aberto: uma preciosidade, daquelas que nos fazem sentir um homem bem melhor ao término da leitura. Durante a própria leitura, aliás!

Wesley PC>

2 comentários:

Jadson Teles disse...

Incrível! é muito bom te ler Wesley, muito bom, e assim vou te tendo também.... te amo, belo texto, belas citações, belas leituras, pura paixão!
J.

Gomorra disse...

(...)

Eu que agradeço. E insisto: leia este livro. Ambos os livros, aliás!

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