domingo, 5 de fevereiro de 2012

“NÓS PODEMOS SOBREVIVER SEM FAMÍLIA”!

Eu preciso falar sobre “A Invenção de Hugo Cabret” (2011), o mais recente filme do genial diretor Martin Scorsese. Não apenas falar, mas gritar! Quando tivesse acesso às primeiras informações sobre o filme, nutri grande impressão de antipatia por ele, crente de que o filem fosse uma regressão infantil do diretor. Vendo o filme na manhã de hoje, confirme a minha impressão preconceituosa nos três primeiros quartéis de projeção, irritando-me fortemente com a idiotia entreguista de alguns diálogos, com as interpretações caricatas, com o roteiro subserviente ao capitalismo estandardizador, com a direção aparentemente preguiçosa do gênio nova-iorquino. Aí o filme me deu uma rasteira: se, num momento, o personagem de Sacha Baron Cohen pouco mais era que um arremedo banal de vilão, no instante seguinte o filme empresta a perspectiva narrativa ao seu complexo personagem, que grita a frase que intitula esta postagem, fazendo com que entendamos com muita cautela o que o protagonista titular quis dizer quando lança a tese de que “na grande máquina que é o mundo, não existem peças extras. Por isso, cada um de nós tem um propósito”. E o propósito deste filme é provar que ainda existe vida inteligente em Hollywood: e inteligência rima com sobrevivência não apenas na escritura da palavra em português, mas em sua própria essência constitutiva.

A trama genérica do filme parece centrada no garotinho que intitula o filme, interpretado mecanicamente (inclusive, no sentido literal do termo) por Asa Butterfield. Este é um órfão que vive nos vãos dos relógios de uma estação de trem parisiense depois que seu pai relojoeiro falece num incêndio. Uma contingência faz com que ele se afeiçoe à afilhada de um ranzinza proprietário de uma fábrica de brinquedos (Ben Kingsley), que, à medida que o filme evolui, sabemos ser o cineasta Georges Méliès. E é a partir daí que o filme faz uso de todas as suas armas para agradar quem realmente gosta de cinema – e consegue! Se eu estava achando mais da primeira metade do filme absolutamente insuportável, fiquei bastante desconfiado quando o roteiro de John Logan dedica-se a uma historiografia respeitosa do cinema mudo. “Puro oportunismo deslocado!”, pensei, mas, aos poucos, roteirista e diretor provaram que eu estava errado e que o amor à arte ali suscitado era completamente legítimo, visceral, intenso, mútuo e, acima de tudo, gritante: um amor que contagia! De repente, o filme assume a defesa metafórica do cinema em si, não se contentando apenas em elogiar a egrégia “arte muda”, mas estendendo a sua defesa aos artífices contemporâneos de cinema que não sucumbiram às exigências dos novos tempos, que não se adaptaram, que se recusaram a dar apenas aquilo que o público pede e parece querer... De filme infantil deslumbrado consigo mesmo, o filme se torna um brado denuncista, uma ferramenta potente de crença na inteligência sobrevivencial hollywoodiana. Saí da sessão encantado e surpreso com a fecunda mudança de opinião apreciativa que se estabeleceu de repente: mais uma vez, Martin Scorsese nos engana (como faz um prestidigitador inteligente) para exercitar o nosso poder de fruição diante de uma obra de arte entupida com as rimas práticas de inteligência e resistência. E, por enquanto, é o que eu tenho a dizer sobre este filme. Preciso revê-lo, preciso discuti-lo com outrem, tenho que reverenciá-lo da forma que ele merece: numa tela grande e em 3D, mas sem capitular estupidamente aos ditames industriais dos dias atuais. Ansioso desde já: estréia logo no Brasil, “A Invenção de Hugo Cabret”!

Wesley PC>

Nenhum comentário: