sábado, 10 de dezembro de 2011

NUM FILME EXTREMAMENTE REALISTA, SÃO PERMITIDOS ‘FLASHBACKS’? E MÚSICA NÃO-DIEGÉTICA? E AMOR? E FINAL FELIZ?!

Na manhã de hoje, eu resolvi ver um filme do britânico Ken Loach. Não é um cineasta que eu aprecie particularmente, visto que costumo discordar veementemente de suas reclamações proletárias sindicalizadas, mas me surpreendi bastante com “Meu Nome é Joe” (1998): aqui, eu concordo com seu ponto de vista e com a fragilidade compositiva de seus personagens, fragilidade esta em duplo sentido, referindo-se tanto à pouca habilidade dos mesmos em reagir às injustiças do mundo quanto ao improviso excessivo aos que os atores foram submetidos, graças ao peculiar modo realista de direção de Ken Loach. Seja como for, o que importa é que os resultados funcionaram muito bem: eu fui tocado!

O ponto de partida tramático é prosaico: um técnico de futebol de bairro ex-alcoólatra apaixona-se por uma assistente social e, em meio ao idílio romântico que se estabelece, enfrentam a competição dos problemas com tráfico de drogas de uma família amiga do primeiro e profissionalmente acompanhada pela segunda. Simples e, ao mesmo tempo, tão complicado. Numa das seqüências mais inspiradas do filme, a assistente social tranca a porta de sua casa por fora e, por ser tarde da noite, aceita dormir na casa do recém-conhecido Joe. Como eles já haviam parlamentado deveras sobre seus gostos comuns acerta do ‘punk rock’ inglês (The Clash, Siouxsie and the Banshees, e congêneres), quando a mulher, Sarah, pede para ligar o rádio da casa do personagem-título, pensamos de imediato que ouviremos uma música ruidosa. Quando ela aperta o botão de um toca-fitas na sala de estar do técnico, entretanto, ouvimos uma suave música clássica. Ele pergunta a ele o porquê desta bela trilha sonora doméstica e a resposta vem de pronto: “esta fita k-7 era da época em que eu era louco. Um dia, eu acordei desesperado para beber e, como sempre, não tinha dinheiro. Roubei algumas fitas numa loja de discos e, depois, tentei vendê-las num ‘pub’. Esta fita foi a única que ninguém quis, nem por 25 centavos. Quando cheguei em casa, puto de raiva, a ouvi e terminei gostando. Hoje, ela serve para me ajudar a recordar os velhos tempos”. E eu segurei a respiração: como uma declaração de humanidade tão profunda pode ser cuspida de forma tão trivial? Muito bom este filme, sou obrigado a admitir!

Apesar de meu pantim contra o Ken Loach volta e meia irromper em cenas forçadas de enfrentamento reivindicativo (vide o momento em que Joe picha o carro de um abelhudo fiscal da Receita Federal ou quando ele quebra os pára-brisas do automóvel de um traficante de drogas), o filme como um todo – em especial, em seus investimentos românticos – me cativou deveras. Fiquei emocionado, mesmo que o filme não se proponha a isso de forma espetaculosa. Aqui, o tom loachiano é mais sincero e urgente que nos demais filmes que eu vi dele [sendo “Terra e Liberdade” (1995) e “Pão e Rosas” (2000) os que mais me incomodaram negativamente], de maneira que eu estou planejando repensar retrospectivamente os meus pareceres odiosos contra este cineasta: quem sabe numa maratona de seus filmes, eu não constante que a resposta aos questionamentos contidos no título desta postagem não sejam, também, militância?

Wesley PC>

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