sábado, 15 de outubro de 2011

“O TEMPO NOVO NÃO PERDOA”!

Zona rural do Senegal, meados da década de 1940, auge da II Guerra Mundial: habitantes tribais são forçados a se recrutarem como soldados, a fim de defenderem os colonizadores franceses nos campos de batalha distantes. As mulheres e os anciãos protestam, mas o esforço é coercitivamente vão. Um ano depois, os soldados franceses voltam à aldeia inicial e exigem que os lavradores tribais entreguem o arroz sagrado para alimentar as tropas alheias. Nova recusa das mulheres e dos anciões, o que motiva diversas prisões. Na França, o poder militar muda de mãos. No Senegal, os deuses ancestrais têm seu poderio crente abalado. “A queda é como se fosse um alívio para quem está cansado”, diz um dos chefes da tribo. O final do conflito não poderia ser menos triste e realista para os senegaleses. Ponto.

Em linhas bem genéricas, o parágrafo acima resume “Emitaï” (1971), mais um petardo fílmico do pioneiro diretor africano Ousmane Sembene, visto por mim na tarde de hoje, em meio à sonolência decorrente de uma madrugada de insônia e pesadelos. No filme, a recusa dos lavradores tribais em entregar suas preciosas sacas de arroz às tropas militares francesas não é apenas um gesto de recusa à colonização, mas um ato de resistência diante da falência dos deuses perante a contemporaneidade massacrante. Galinhas e cabras são sacrificadas, um funeral é impedido de ser realizado e o arroz associado ao suor das mulheres que o cultivaram é exigido como moeda de troca para a libertação dalguns cativos, mas o verdadeiro tema por detrás deste ótimo e impressionante filme é a possibilidade de sobrevivência renitente da cultura num contexto histórico em que os caprichos bélicos e manobras políticas espúrias determinam os destinos de quem vive até mesmo no meio das florestas, tachando de bárbaros justamente aqueles que assim os consideram. Fiquei impressionado, mais uma vez, diante da pujança deste filme e deste cineasta. Não me surpreendeu descobrir que este filme teve sua exibição proibida durante anos no próprio País em que foi produzido. Ousmane Sembene (1923-2007) morreu incompreendido, mas, ainda assim, bastante admirado. Preciso rever este filme-grito o quanto antes!

Wesley PC>

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