sábado, 6 de agosto de 2011

AFINAL DE CONTAS, NÃO SE DEVE TEMER OS GANSOS: ELES ESTÃO APENAS MIGRANDO...

“ – Eu nunca matei ninguém...
- Deixe que a arma faz isso.
- Contra alguém da minha raça?
- De sangue, sim... Mas, de alma, não!”


6 de agosto é o dia em que alguém que me odiou bastante faz aniversário. Hoje, portanto, era o dia mais adequado para que eu tivesse acesso a “O Passado Não Perdoa” (1960), impactante filme de John Huston que, em mais de um sentido, vai de encontro radical ao que apregoa “Rastros de ódio” (1956), de John Ford. Se este último era comumente tachado de racista (e talvez o fosse mesmo), o primeiro faz explodir na trama os efeitos deste mesmo racismo. Se um dos cineastas era famoso pelo elogio à gênese comunitária e prestava o devido respeito aos heróis que atingiam a glória (ainda que, no filme citado, esta glória fosse deveras amarga e/ou solitária), o outro era conhecido como “o cineasta do fracasso”, que costuma pôr em pauta as dissensões entre os indivíduos. Não foi diferente em “O Passado Não Perdoa”: esta cruel estória sobre uma família destruída pelo ódio entre raças me impressionou...

Na trama do filme, Audrey Hepburn interpreta uma garota índia que é criada como se fosse branca pela personagem da lendária Lillian Gish. Ela se apaixona por Burt Lancaster, que vive um irmão com o qual ela não compartilha laços consangüíneos. Poderiam casar-se ao final, se os índios não quisessem sua rebenta de volta, se não cercassem a casa da família Zachary, no afã por reaver sua parenta. Eles dançam, pensando que, assim, ficariam magicamente protegidos contra as balas de metralhadora. Em resposta, a matriarca da família Zachary toca uma lúgubre peça mozartiana ao piano. Não pude esquivar-me do contágio com o desamparo crescente que o filme parece encetar, quando, em verdade, a família se une em meio à tragédia, aos índios que disparam flechas, às vacas que pisoteiam o telhado, ao incêndio que corrói as paredes de madeira, ao preconceito dos iracundos vizinhos... Tudo neste filme é forte e pungente!

O que me faz voltar ao aniversariante do dia: fã de um ótimo grupo de ‘heavy metal’ estadunidense que gravou três longas canções intituladas justamente “The Unforgiven”, este rapaz, infelizmente, é vitimado pelo ódio e pelas máculas do passado. Ele até que fala comigo hoje em dia, me cumprimenta quando me vê, faz de conta que entende que é normal que uma pessoa se apaixone pela outra. Mas, tal como acontece com o cavalo da Audrey Hepburn no extraordinário filme hustoniano, ele deve ter medo dos gansos que voam em bando. Mesmo que estes estejam apenas migrando, em busca de melhores condições de sobrevivência...

Wesley PC>

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