sábado, 9 de julho de 2011

TANTA DOR AOS 5 ANOS DE IDADE...


“ – Mas não é isso que eu quero saber. Eu quero saber se você acredita mesmo que uma rosa possa fazer mágica assim?
- De fato, é mesmo esquisito.
- Esse pessoal vai contando as coisas e pensa que criança acredita em tudo.
- Lá isso é.
Ouvimos um barulho e Luís vinha se aproximando. Cada vez meu irmãozinho ficava mais lindo. Não era chorão, nem briguento. Mesmo quando eu era obrigado a tomar conta dele, quase sempre eu o fazia de boa vontade.
Comentei para Minguinho:
- Vamos mudar de assunto porque vou contar essa história para ele e ele vai achar linda. A gente não deve tirar as ilusões de uma criança.”

(“O Morcego”, capítulo primeiro da segunda parte: “Foi quando apareceu o Menino Deus em toda a sua tristeza”)

Acabei de terminar o final da leitura de “O Meu Pé de Laranja Lima” e ainda estou pungentemente emocionado. Nunca que eu imaginasse que José Mauro de Vasconcelos fosse tão inteligente quanto se demonstrou com este livro. A coragem para colocar o diálogo acima nas bocas de um menino de 5 anos e de uma árvore e de, ao final, confessar que o narrador e a criança narrada eram ele mesmo emocionou-me deveras. Emocionou-me de chorar mesmo. Emocionou-me de a tristeza não parar de se manifestar diante do menino. Emocionou-me de saber tão doloroso que uma criança tão pequena e tão precoce se revelasse um avatar sartreano lamentando estar “condenado a viver, a viver”, quando queria era ir pro céu, para deixar de ser “afilhado do Diabo” e deixar de falar “nádegas da bunda” e outras coisas más que levavam as pessoas de sua família a baterem-no tanto e tanto, que ele ficava até com vergonha de ficar nu para que não percebessem as suas cicatrizes e hematomas e marcas por todo o corpo. “Duas surras memoráveis”, capítulo 4 da segunda parte, ficará cravado em minha memória para sempre, mas não somente ele: os assassinatos reais e imaginários, cometidos “sem culpa” pelo trem Mangaratiba; o orgulho da ascendência indígena dos filhos ruços da família Pinagé de Vasconcelos ; a confissão de que chamar alguém de Xururuca revela uma ternura crescente e infindável pelo mesmo; a definição do que é matar de verdade (“matar não quer dizer a gente pegar o revólver de Buck Jones e fazer bum! Não é isso. A gente mata no coração. Vai deixando de querer bem. E um dia a pessoa morreu”); o relacionamento terno com a irmã Glória/Godóia , com o ‘Portuga’ Manuel Valadares, com o irmão oportunista mais velho Totoca e com o reizinho fraternal Luís, ainda mais novo que o protagonista Zezé; as ilustrações de Jayme Cortez, que tanto medo meteu em meu amigo-irmão Américo, que me emprestou o livro... Tudo aqui beira a perfeição literária, uma perfeição surpreendente, tanto mais porque se serve de palavrões para demonstrar o quanto Zezé era inocente: ele chama a irmã Jandira de puta e o pai de “filho da puta” quando está com raiva, ele aprende uma canção com o menestrel Ariovaldo e repete, bem alto, sob os tapas violentos e inclementes do pai: “eu quero uma mulher bem nua/ bem nua eu a quero ter.../ De noite, no clarão da lua/ Eu quero o corpo da mulher”... Sabe o que é um livro perfeito, daqueles que fazem chorar alto, mesmo quando, no cantinho do olho, está reservada uma sincera risadinha? Pois este é “O Meu Pé de Laranja Lima”. Recomendo-o de pé e aos prantos, ao mesmo tempo: por favor, amigos, (re)leiam esta obra-prima!

Wesley PC>

Um comentário:

Reinaldo disse...

Reinaldo Filho disse:

O livro que marcou a vida da minnha Mãe. Disse que chorou no capítulo das três surras memoráveis. Fiquei ansioso, pensei também que fosse chorar com essa parte, visto que apanhei algumas vezes do meu Pai (e dela mesma kkkkk). Lembro-me, também, que não gostava de ler e esse foi o primeiro e último livro que fingir ter lido. Cristo, que anta.

Viver tem dessas, diria o sábio.