segunda-feira, 27 de junho de 2011

“O BRASIL PRODUZ O MELHOR UÍSQUE FALSIFICADO DO MUNDO!” (DA ARTE DE SE FAZER O ELOGIO CERTO)...

Passei o dia de hoje remoendo esta cena genial do anti-documentário “Nem Tudo é Verdade” (1986, de Rogério Sganzerla), em que o músico experimental Arrigo Barnabé, na pele do cineasta incompreendido Orson Welles, profere a frase aspeada acima enquanto direciona a sua câmera para um papagaio pousado em seu ombro. Uma cena simples, mas entupida de vigor protestante: por que ninguém pensou nisso antes?!

Li nalgum lugar que “o fantasma da visita de Orson Welles ao Brasil assombrou o cineasta Rogério Sganzerla até o dia de sua morte”. Se, neste filme, ele aborda esta fantasmagoria pelo prisma de uma militância nacionalista não exclusiva nem tampouco ufanista, os três filmes realizados em seguida sobre o mesmo tempo, por outro lado, me pareçam cansativos e, de fato, indicativos de que há realmente um trauma a ser extirpado. Mais: durante a feitura mesmo de “Nem Tudo é Verdade”, foi descoberto que a explicação até então corrente para o sumiço das imagens filmadas pelo cineasta estadunidense no Brasil era falaciosa: os negativos originais não foram jogados ao mar pelos dirigentes irritados da produtora RKO, mas, pelo contrário, estavam acondicionadas em segurança num vão hollywoodiano. O projeto permaneceu incompleto e não mostrado até a morte de Orson Welles, precisamente em 1985, de maneira que o menestrel cinematográfico udigrudi sentiu-se imbuído da façanha informativa de revelar ao mundo o que, de fato, aconteceu quando o cineasta norte-americano esteve em terras brasileiras. Numa cena, a câmera focaliza a suposta “carteirinha de cachaceiro” que Orson Welles havia recebido no Brasil; numa outra, a narração explica que a boa relação entre o artista estrangeiro e o povo local causava desconfiança nas autoridades e militares internacionais e nacionais; numa terceira, reconstitui-se a morte do jangadeiro Jacaré, escolhido por Orson Welles como protagonista de um dos segmentos de sua obra; num momento de “Linguagem de Orson Welles” (1990), curta-metragem posterior de Rogério Sganzerla sobre o mesmo tema, Grande Otelo atira: “temos duas principais missões perante a História: a primeira é não mentir nunca; e a segunda é mostrar a verdade, o máximo possível”. Tais missões foram adequadamente cumpridas neste filme, em que o personagem de Arrigo Barnabé grita que “em Hollywood, política é mato – lá, não se sabe nem mais sorrir”? Citando ainda o mesmo personagem: “é preciso escutar com os olhos. Escutar!”

De fato, Rogério Sganzerla ajuda o espectador a escutar com os olhos o tempo inteiro: diversas narrações mesclam-se e confundem-se no filme; imagens reais, documentais, simuladas e reconstitutivas misturam-se diante de quem tenta separar o que é ficção e o que é realidade; somos testemunhas de que um grande gênio fora traído pelo desdém e pela malevolência do sistema capitalista que pareceu financiá-lo num primeiro momento. Aconteceu algo parecido com Rogério Sganzerla, voluntariamente confinado ao segmento marginal do cinema brasileiro, não por acaso, um dos mais inventivos de nossa cultura. E, diante do filme, visto após um esfacelado preconceito, eu entendi que, na Arte, nem todo elogio faz bem: que o diga a piada contida na primeira metade do título desta postagem (risos). “Nem Tudo é Verdade” é uma aula: Cinema, História e uso refinado das possibilidades audiovisuais são os instrumentos docentes deste belíssimo filme!

Wesley PC>

2 comentários:

tatiana hora disse...

nossa, não vi esse filme nem sabia dessa relação Sganzerla/Welles.

fazia tempo que não acessava meu blog nem o dos amigos. saudade!
bjs

Gomorra disse...

(risos)

Pois esta relação Sganzerla/Welles é tão exagerada que sempre fez com que eu e Jadson ficasse com raiva dela: até eu ver esta maravilha de filme ontem à noite. Garanto que Jadão vai rever o pré-conceito também...

E eu te amo, Tatiana. Se eu vestisse saias, ficaria honrado se me parecesse contigo (risos)

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