sábado, 21 de maio de 2011

KLEBER MENDONÇA FILHO É FÃ DE GUY DEBORD?

Este foi o primeiro pensamento interrogativo que passou diante de minha cabeça enquanto assistia ao ótimo documentário do crítico pernambucano Kleber Mendonça Filho batizado justamente de “Crítico” (2008). Acabo de ver o referido filme e tal pensamento me foi evocado por causa das imagens publicitárias (ou contra-publicitárias) que permeiam as diversas entrevistas que compõem os 80 minutos de filme, imagens estas que me lembraram bastante o ritmo propositalmente monocórdio dos clássicos anti-espetaculosos do militante francês. Apesar de eu ter achado o filme ótimo, entretanto, deveria tê-lo visto com uma caderneta nas mãos, tamanha a relevância dos depoimentos ali elencados...

Se, por um lado, era óbvio que alguns lugares-comuns se amontoassem – como, por exemplo, o constrangedor depoimento de Luiz Carlos Lacerda contra os jornalistas que desgostaram de um de seus trabalhos e, como tal, foram tachados de “pretensos cineastas frustrados” – pude ter acesso, no filme, aos rostos e vozes de jornalistas que admiro há tempos. Pude, portanto, conhecer o corpo que ampara a sisudez justificada de Ruy Gardnier, perceber o quanto Jaime Biaggio é bonito, constatar mais uma vez o quanto Eduardo Valente é coerente em seus artigos levemente polemistas, o quanto Pedro Butcher é inteligente e o quão pouco a boa crítica brasileira deve aos incensados jornalistas estrangeiros. Não há nada que algum crítico francês mui consagrado tenha falado ali que não tenha sido justamente complementado, rebatido ou contrabalançado por algum profissional do País em que nasci: não somente isto me enche de orgulho nacionalista benfazejo como permite que eu sonhe que é possível que, um dia, eu venha a merecer ser também profissionalmente chamado pelo adjetivo empregatício que intitula este filme...

Dentre os diretores entrevistados, além de algumas óbvias confirmações (exemplos: que Catherine Hardwicke é idiota, que Elia Suleiman é inteligentíssimo, que Sérgio Bianchi é presunçoso ou que Cláudio Assis xinga pra caralho), fiquei impressionado com a sensatez do diretor Tom Tykwer acerca da complicada relação entre crítica de cinema e amizade. Gostei muito de todos os momentos em que ele aparece analisando como se relaciona com os exegetas de seu trabalho, da mesma forma em que ri do momento em que Peter Farrelly imita um crítico predeterminado a desgostar de uma comédia, em que senti o que chamam de “vergonha alheia” quando, numa entrevista coletiva, mais uma vez confundem Samuel L. Jackson com Laurence Fishburn, e em que me emocionei pessoalmente quando a atriz Fernanda Torres cita um conhecido aforismo de Oscar Wilde: “toda crítica é um autobiografia”. Para mim, que associo a maioria dos filmes que gosto ou desgosto à “história de minha vida”, esta frase faz mais do que sentido (risos)...

No que tange a um julgamento minuciosamente qualitativo do filme enquanto filme, é complicado fazê-lo de uma só vez, visto que, como já afirmei, é necessário anotar muitos detalhes dos depoimentos, que são a principal matéria-prima deste documentário realizado como projeto mui pessoal do diretor, que, como todos sabem, também é crítico, muito bom, aliás! Ainda assim, ouso comentar que a edição de Emilie Lesclaux e do próprio diretor é muito bem-feita, bem como a trilha sonora incidental do DJ Dolores. Não obstante parecer cansativo ou limitado nalguns momentos (friso o verbo parecer), “Crítico” tornou-se um elementar “filme de cabeceira” para mim, daqueles que motivam-nos a seguir em frente em algo que se acredita, no íntimo, desde a infância. Se eu encontrar o DVD sendo vendido em algum lugar, não somente o comprarei como o transformarei em projeto de monografia. Muito, muito bom!

Observação: quem me conhece intimamente, deve estar aguardando que eu cite aqui o meu aforismo bazaniano favorito [“A função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o lêem, o impacto da obra de arte” – emulado aqui], mas, ao invés disso, prefiro recorrer ao próprio filme e recontar a brilhante anedota que lhe serve de epígrafe, sobre um crítico de cinema que pergunta ao diretor Jean-Luc Godard se, por estar gostando cada vez mais de seus filmes, seria ele ou o diretor que estaria evoluindo. A resposta do gênio-mor da ‘Nouvelle Vague’ não poderia ser menos genial: “é claro que é você!”. Eis, definitivamente, o que eu chamo de motivação!

Wesley PC>

2 comentários:

Boca da Noite disse...

Numa entrevista muito conhecida Clarice Lispector diz algo parecido quando fala que antigamente, à data da entrevista, nos primeiros anos de publicação literária "as pessoas não lhe entendia", elas liam e não entendiam. O que você acha que aconteceu Clarice? Ela responde, “eu não sei, só sei que eu não mudei, continuo escrevendo do mesmo jeito, as pessoas que devem ter mudaram," logo que naquele momento já tinha muitos leitores fãs e várias criticas a seu respeito.

Pseudokane3 disse...

Tal qual Godard, definitivamente, Clarice tem muito, muitíssimo a acrescentar sob o papel da crítica e da hermenêutica em suas obras... Obrigado pela contribuição no comentário, amigo cearense.

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