domingo, 20 de março de 2011

PODE UM ÓTIMO FILME SER UMA MÁ SUGESTÃO MATINAL?

Se me perguntassem de chofre com qual grande cineasta europeu eu tenho menos afinidade intelectual, eu seria tentado a responder, também de chofre, Rainer Werner Fassbinder. Não que eu ache seus filmes menos que ótimos: “O Casamento de Maria Braun” (1979), “A Terceira Geração”, “Lili Marlene” (1981) e “O Desespero de Veronika Voss” (1982), quatro de seus últimos filmes, são apenas alguns exemplos do quanto eu o admiro artisticamente, mas algo referente à coesão questionada em seu estilo me faz ser demasiado cauteloso ao elogiá-lo.

Quando optei por ver “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant” (1972), ao lado de dois grandes amigos, na manhã de hoje, tinha como propósito secundário demonstrar a mim mesmo o quanto era genial: sabia pouco sobre o filme, exceto que seu título era majestoso e que a trama tinha algo de lésbico. Aos poucos, fui percebendo que o filme exacerbava a sua origem teatral (deriva de uma peça escrita e encenada pelo próprio Rainer Werner Fassbinder), possuindo poucos cortes entre uma cena e outra, limitando a maior parte de sua duração a um único cenário (o extravagante quarto visto na foto), as atrizes são obrigadas a ficar paralisadas em cena em mais de uma situação, e a protagonista aparece em cada nova seqüência com um novo corte de cabelo, não somente no que diz respeito ao penteado, mas também – e principalmente – à cor dos fios. Mas nada que me fizesse exclamar algum adjetivo sobre ele que fosse qualitativamente inferior do que “extraordinário!”.

Em termos gerais, a trama é banal: uma estilista que passa a maior parte de seus dias deitada em sua cama apaixona-se por uma aspirante a modelo e gasta muito dinheiro com ela, que a abandona para ficar com seu marido australiano e um amante negro norte-americano, sem perceber que sua muda e diligente secretária nutre uma forte paixão sadomasoquista por ela. Quando sua filha, sua mãe e uma amiga invejosa a visitam no dia de seu aniversário, a protagonista explode numa crise nervosa – agravada por não receber sequer um telefonema de sua amada – que alterará para sempre o seu relacionamento com as outras mulheres de sua vida. E, ao final, eu e os dois amigos que estavam numa mesma cama diante da TV em que o filme estava sendo exibido demoramos a nos levantar: por melhor e mais impressionante que o filme seja, toda a angústia passional que ele transmite foi excessiva para quem passou a noite a comemorar uma despedida que, afinal, já é muito sentida e a descobrir revelações sexuais que não eram sabidas por apenas um dos participantes do arremedo de festa: eu. Inconscientemente, eu havia escolhido o filme ideal para refletir o meu estado de espírito matinal!

Antes de ter visto o filme, eu tencionava obnubilar prontamente qualquer detalhe emocional que não dissesse respeito única e exclusivamente a mim sobre os assuntos abordados pelo filme, mas estes assuntos não podem ser analisados, sentidos ou exprimidos sobre a égide do egocentrismo: sentir é que leva essencialmente em consideração o Outro, os anseios e desejos alheios, a pudicícia alheia, as limitações alheias, as regras pessoais de outrem... E, por mais perturbado e concomitantemente agradecido que eu estivesse, não conseguia esconder o grito de satisfação em perceber mais uma vez o quanto o cineasta Rainer Werner Fassbinder é genial. Por isso, deixo este parágrafo final em aberto:

Wesley PC>

3 comentários:

tatiana hora disse...

amo o Fassbinder e AMO Petra von Kant...

Gomorra disse...

Eu não sei se amava o Fassbinder, mas este filme definitivamente entrou para o meu panteão de favoritos!

WPC>

Jadson Teles disse...

Tive que tomar diazepinicos para aguentar depois de ver esse filme e ainda mais perto de viajar, de mudar! Fassbinder superou tudo aquilo que eu imaginava! Gênio, gênio, gênio!