terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

“DE QUE SERVE A TRISTEZA, PARA OS CAVALOS?”

Uma das primeiras leituras sociológicas que empreendi quando ingressei na Universidade foi “O Suicídio” (1897), de Émile Durkheim. Num dos capítulos, ele comenta sobre as ocorrências históricas que animais que tentaram ostensivamente acabar com suas vidas, destacando um exemplo destacado por Aristóteles em que um cavalo, traído pela égua com que mais se afeiçoava em seu bando ou algo assim, pula de um precipício, demonstrando que eqüinos são animais capazes de demonstrar tristeza.

Apesar de seu caráter prontamente especulativo, o exemplo acima sempre me impressionou e, como tal, foi nele que pensei o tempo inteiro enquanto assistia ao difícil clássico britânico “Equus” (1977, de Sidney Lumet), ao qual finalmente consegui ver na íntegra ontem à noite. Trata-se de um filme teatral, lento, difícil e perturbador, mas que merece elogios redobrados nem que seja pela bizarrice realista de seu tema: depois que dilacera os olhos de seis cavalos, um adolescente de 17 anos, psicologicamente cerceado por sua mãe religiosa e por seu pai sub-repticiamente libertino, passa a ser tratado psiquiatricamente por um profissional que enfrenta o tédio confessadamente inevitável de seu matrimônio. E este é apenas o ponto de partida para 137 minutos de muita angústia fílmica, transmitida através de solilóquios, diálogos requintados e repletos de mensagens psicologicamente subliminares e imagens fortes do rapaz protagonista, completamente nu enquanto abraça o cavalo por quem é animicamente apaixonado. Em suma, um filme que incomoda e que fascina ao mesmo tempo.

Em dado momento, o psiquiatra afirma que a ausência de idolatria encolhe o indivíduo. Ou seja, em sua concepção clínica, qualquer pessoa sente-se mais apta a assumir as suas idiossincrasias personalísticas ao amar irrestritamente outra pessoa ou entidade, ao venerar algo, conforme se demonstra no caso do adolescente tratado, que sente prazer ao lamber a espuma de suor que escorre da crina do cavalo por quem é obcecado. À medida, porém, que uma rapariga demonstra interesse por ele e chega a convidá-lo para assistir a um filme erótico noutra parte da cidade, o rapaz é vitimado por um forte sentimento de impotência, que manifesta-se não somente em sua disfunção erétil peniana, mas eclode na cena terrivelmente violenta em que ele se vale de uma lâmina para perfurar os olhos dos seis cavalos citados na sinopse. Que cena terrível, aliás. Por mais que eu tenha desviado os olhos, a descrição minuciosa da seqüência, aliada aos gritos horrendos de dor, por parte dos cavalos, doeu em mim. Doeu mesmo! E nem é preciso dizer que, em mais de um sentido, me identifiquei deveras com este filme...

Em verdade, já conhecia “Equus” devido a um conjunto de chamarizes temáticos: primeiro, porque, ao ser um fã discreto do diretor Sidney Lumet, já havia tido contato interessado com esta sinopse várias vezes; segundo, porque ao ter visto cenas deste filme no canal fechado MGM, faz tempo, fiquei fascinado pelo sobejo poético e expressivo das cenas de nudez do rapaz; terceiro, porque uma versão contemporânea da peça entupiu as páginas de jornais em razão da nudez proposital do protagonista Daniel Radcliffe, intérprete do bruxo Harry Potter nos cinemas (!); e, quarto, porque eu tinha certeza de que este filme tinha muito a ver comigo. Por isso, resisti fortemente aos lampejos de sono que me afetavam ontem à noite, quando assistia ao filme na TV. Fiz bem em resistir: depois das terríveis e bem-vindas inconclusões do desfecho, foi-me positivamente difícil pregar os olhos novamente!

Wesley PC>

4 comentários:

André Mans disse...

isso é a prova das mil facetas que existem na nossa mera capacidade de extrair do amor e do "objeto" adorado, a solução para o nosso abismo.

vixe... acho que viajei...

e podiam fazer uma refilmagem q achas?

Pseudokane3 disse...

Refilmagem?! NUNCA! Abomino regravações - e, além disso, o filme do Sidney Lumet é suficientemente impactante para ser eterno. Sugira que o mesmo seja relançado nos cinemas, que tal? Com certeza, ele ainda chocará muita gente com seus clamores individualizantes e psiquiátricos!

E sim, concordo em seu relação à primeira parte do teu comentário, a "viagem" é válida.

WPC>

tatiana hora disse...

sempre quis ler esse livro, mas acabei deixando de lado...
essa história do cavalo me impressionou um tanto...

Pseudokane3 disse...

ôxe, se achar um exemplar do livro com a peça original, por favor, me passa, que tem muito, muito a ver comigo. SOCORRO!

WPC>