terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A VELHA MANIA DE DEIXAR O CAPÍTULO FINAL PARA O FINAL:

Não fui eu quem tirou esta foto, mas este é o livro que estou terminando de ler hoje: “O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar” (1963), segunda obra do japonês Yukio Mishima que um mesmo rapaz me empresta. Da mesma forma que ocorreu com “Confissões de uma Máscara” (1948), surpreendo-me a cada página com as cortantes revelações do autor, sempre atreladas a uma crueldade e uma sensualidade de caracteres igualmente infantis. Que o diga a passagem a seguir:

“Os pais são as moscas deste mundo. Eles voam por sobre as nossas cabeças, esperando uma oportunidade, e quando vêem alguma coisa podre, vêm zumbindo e mergulham nela. Moscas sujas e asquerosas, anunciando para todo o mundo que treparam com as nossas mães. E não há nada que não façam para contaminar nossa liberdade e nossa capacidade. Nada que não façam para proteger as imundas cidades que construíram para si.” (p.120)

O discurso não é do rapaz protagonista, Noboru, de 13 anos, que observa sua mãe se entregando sexualmente ao marinheiro do título, mas do líder de um grupo formado por cinco rapazolas de 13 anos, que praticam dia a dia a “arte da indiferença”, seja matando gatos a sangue frio, seja detestando pessoas que, em sua naturalidade, apenas se esforçam para serem gentis. E, aos poucos, Noboru é quem perde as graças do mar, mesmo que apenas vislumbre a possibilidade de um dia ser estivador.

Como é hábito de minha parte, li o livro com avidez até o penúltimo capítulo, de maneira que lerei as 10 páginas que ainda restam quando eu voltar do trabalho, mais tarde. Ainda que este livro seja conteudisticamente mais brando que a obra-prima anterior de Yukio Mishima (não há homoerotismo explícito, por exemplo, apesar de o modo como o autor descreve a “torre lustrosa” do marinheiro excita a qualquer um!), a genialidade do escritor perpassa cada linha: o modo como ele escancara a crise familiar que atravessa Noboru e sua mãe viúva; a preocupação minuciosa em detalhar os hábitos ocidentais desta mulher, Fusako; o modo como os colegas de Noboru decoram as incongruências hermenêuticas do Código Jurídico Japonês, antevendo uma perversão criminal infantil tão vigorosa quanto aquela que se destaca em filmes famosos do Shuji Terayama... Tudo nesta narrativa é demasiado grave, tão ferrenho quanto as injustiças de julgamento que trespassam o nobiliárquico e sensual marinheiro Ryuji Tsukazaki. Estou ansioso para consumir o final deste livro, deitado na minha cama, como se estive compactuando com os personagens numa cerimônia ritualística de ‘ménage à trois’ familiar!

Wesley PC>

2 comentários:

tatiana hora disse...

muito bom esse trecho que você citou!
e o título me fez lembrar de mainha... ela tem mania de ler o último capítulo após ler o primeiro kkkk
e também tem o hábito de me pedir pra contar o final dos filmes enquanto está vendo...

Gomorra disse...

Então, eu faço o contrário (kkkkkk), mas sei que é muito, muito comum este hábito de tua mãe!

O final do livro é sublimemente elíptico, fiz bem em lê-lo á parte (risos)

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