quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

“TU JÁ GASTASTE CADA NOITE DE TUA VIDA, SOZINHO, CHORANDO POR CAUSA DE UM AMOR VERDADEIRO QUE NUNCA CHEGA?!”

Glupt!

Em mais de um sentido, eu acho a cinessérie protagonizada pelo ogro da Dreamworks um embuste. Porém, no plano cinematográfico, sou obrigado a admitir que, mesmo se equivocando e se assumindo como produto mercadológico ferrenho, cada um dos quatro filmes possui verdadeiros achados moralistas, dignos dos panegíricos mais crentes por parte de pessoas que, como eu, acreditam na porcaria do “amor verdadeiro”, definido como um conto de fadas pela personagem de Cameron Diaz, a princesa Fiona. Por que acho que haja um embuste por detrás desta cinessérie? Vejamos:

Não vou mentir que ri muito diante de “Shrek” (2001, de Andrew Adamson & Vicky Jenson). Gargalhei, pura e simplesmente, nas várias vezes em que eu o reassisti. Porém, incomoda-me o discurso de alguns críticos deslumbrados no que tange à suposta iconoclastia narrativa do filme, que, na verdade, é apenas um truque para vender o mesmo (bom) discurso de auto-ajuda familiar caro à maioria dos produtos hollywoodianos. Se eu não escutasse estes ditos críticos, ficaria mais tranqüilo em relação ao filme. Aliás, intranqüilo ou não, ele merece pelo menos nota 9,0. É ótimo, repleto de tiradas e atuações geniais!

Em relação a “Shrek 2” (2004, de Andrew Adamson, Kelly Asbury & Conrad Vernon), já nutro uma antipatia direcionada. Irrito-me sobremaneira com a distorção do discurso de aceitação das “pessoas como elas são”, quando o próprio enredo é incapaz de manter um casamento entre o ogro e a meio-humana Fiona, até que ambos estivessem no mesmo patamar racial. Se deu certo com o burrico que se apaixona e se reproduz com uma fêmea de dragão, por que não daria certo com eles, “do jeito que eles realmente são”? Na verdade, minhas insatisfações com este filme são mais direcionadas, mas acho que este pequeno detalhe já explica o porquê de eu sair esbravejando da sessão, quando o vi no cinema, há seis anos, que abomino esta tendência hollywoodiana de inverter pretextos narrativos espúrios para engendrar continuações monetifágicas. Mas os personagens e as tiradas continuavam ótimos. Calei a boca, dando mais ou menos nota 6,0!

“Shrek Terceiro” (2007, de Chris Miller & Raman Hui) foi mal-falado até mesmo pelos críticos que se derreteram pelos aspectos “errados” do primeiro filme, mas eu gostei bem mais do que o segundo. Achei que a inveja do Príncipe Encantado e da Fada-Madrinha foi mais bem delineada neste segundo filme, que, sim, beira a iconoclastia, ao escancarar os estratagemas ideológicos que justificam a disseminação de “contos de fada” ao longo dos séculos. Ri em diversas cenas e fui tocado por uma forte identificação tragicômica com a majestosa cena em que um rei transformado em sapo falece. Leva um 6,5 bastante digno.

E, por fim, “Shrek Para Sempre” (2010, de Mike Mitchell), filme que acabo de ver e que contém o questionamento acima relatado, que fez com que tudo o que eu escrevi até então fosse redirecionado para outra área, mais íntima, mais pessoal, mas dolorosa de minha existência (ou persistência) espectatorial: chavonado em mais de um sentido, este é um daqueles filmes que levam-nos ao conformismo benfazejo, que nos obriga a perceber que os incômodos de nosso cotidiano são positivos em relação à execução voluntária dos papéis sociais para os quais nossa vontade foi escalada por meios que não conseguimos deixar de entender como voluntários, quando foram sutilmente coagidos ao longo dos mesmos séculos e séculos de ideologia disseminada através dos referidos contos de fada. O tal do “verdadeiro amor” existe? Enquanto praga de fim de ano, pensei muito nisso esta semana, mas, por alguns momentos, o filme me tranqüilizou, ao me fazer gargalhar na seqüência em que Pinóquio pinta seu pai de verde e o entrega como se fosse um ogro quando é ofertada uma larga recompensa para quem entregar um destes seres ao vilanesco Rumpelstiltskin ou quando uma canção de Enya serve de fundo sonoro para um discurso do mesmo tirano. Gargalhei, mas, por dentro, eu estava devastado. E, neste momento, eu assumo: todo este texto é um largo embuste até aqui. Eu sou um embuste! E, sim, cara Fiona, eu já gastei muitas de minhas noites a chorar, sozinho, pelo tal amor verdadeiro que nunca chega... E como eu tenho medo de estar sendo egoísta por causa disto!

Wesley PC>

2 comentários:

Magno A. disse...

você tem razão. Não tenho mais o que falar...

Gomorra disse...

Razão é um termo muito forte...
Mas a gente tenta, amigo alagoano querido!

Bom te ver por aqui, visse? Me sinto orgulho agora, no melhor sentido expositivo.

WPC>