quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

E HOJE ELE VAI EMBORA COM DEUS... E EU FICAREI COM DEUS!

No primeiro episódio do filme coletivo “RoGoPaG – Relações Humanas” (1963), meu pai cinefílico Roberto Rossellini decifra-me, como ele costuma sempre fazê-lo, numa trama que tem tudo a ver com o que eu sinto agora: amar alguém da cintura para cima, prioritariamente!

Trata-se do episódio “Castidade” (“Illibatezza”, no original), em que um homem religioso que viaja muito apaixona-se perdidamente por uma aeromoça linda. Apaixona-se tão obcecadamente e tão platonicamente que, mesmo sabendo que jamais poderá tocá-la ou beijá-la, persegue-a, enche-a de presentes, ajoelha-se e suplica que ela converse um pouco consigo, mas ela tem uma vida, ela tem outros interesses, ela não tem nem tempo nem vontade de dedicar sua piedade àquele homem estranho que a persegue e que lhe é devoto. Um dia, ele desaparece. Ela sente, finalmente, falta dele e resolve fazer-lhe um agrado: pinta seus cabelos outrora imponentemente morenos de um loiro sensual e aceita um convite para jantar. Ao vê-la insinuante daquele jeito, ele – que há pouco estivera louco, internado, preso ou algo similar – foge, recusa o convite. Não é mais “ela” que está ali diante dele. E, na solidão de sua casa, ele projeta na parede imagens que captou dela, de forma proibitiva e invasiva, quando ela ainda era o ideal de beleza e pureza de que ele precisava. Que ele amava. Que ele amará para sempre...

Não sei se a sinopse mnemônica que redigi acima está correta (é como eu me lembro do filme, visto faz tempo), mas, do jeito que está, não parece sequer ficcional: conforme Roberto Rossellini costumava apregoar, a realidade venceu. E é isso que eu sinto. Ele viaja hoje. E eu já me corrôo com a mais idealista das saudades. Jamais poderei tocá-lo ou abraçá-lo, persigo-o, entupo-o de presentes, ajoelho e suplico-o que converse um pouco comigo, mas ele tem uma vida, outros interesses, não tem tempo nem piedade para dedicar àquele ser bizarro que o persegue e de que lhe é devoto. E, para mim, nada é em vão. "Vá com Deus", conforme tu mesmo dirias! E eu fico com Deus e com as lembranças eternas que me presenteou o teológico Roberto Rossellini...

Wesley PC>

2 comentários:

tatiana hora disse...

eu bem sei o que é isso de gostar de sentir saudade.
de se apaixonar por imagens mais do que por gente.
de um jeito ou de outro, tudo isso é uma forma de sempre querer o excesso de sensações - que a rotina do amor duradouro não permite.

Pseudokane3 disse...

(risos)

"Rotina do amor duradouro": eis aqui um termo-chave para ser aplicado a estes esquisitos e maravilhosos filmes rossellinianos. É como se não amássemos pessoas, mas suas "imagens". Bingo!


Quem me dera ter uma cópia de ROGOPAG - RELAÇÕES HUMANAS comigo aqui agora, para rever este episódio sublime que tão bem me define...!


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