terça-feira, 16 de novembro de 2010

“EXCESSO DE RELIGIÃO E SEXO: RECEITA DE SUCESSO!”

Tinto Brass, Tinto Brass, Tinto Brass! Somente ele para ser tão incisivo neste meu começo de madrugada e pôr o adágio acima na boca de um escritor erótico que não consegue mais agradar sexualmente sua esposa em “Monamour” (2005), filme que pensava ser uma obra menor em sua filmografia, mas que terminou por ser um dos mais estetizados e encantadores. E autocomplacentes também, no melhor e mais útil sentido do termo: numa festa, alguém pergunta o porquê de, cada vez mais, arte e pornografia assemelharem-se. O próprio Tinto Brass ergue a mão e responde: “é que significante torna-se cada vez mais significado– e este era um dos pontos autos de um dos filmes eróticos mais inteligentes que vi em décadas!

“Monamour”, como é típico nas obras de Tinto Brass, é narrado pelo ponto de vista de uma mulher amargurada por estar insatisfeita. É uma mulher que ama realmente o seu marido, mas algo parece estar defeituoso no plano da satisfação sexual, a ponto de ela necessitar fantasiar com outros homens e mulheres. E, mesmo sendo filmado através do ponto de vista feminino, o diretor, roteirista e montador Tinto Brass não perde a chance de mostrar esta mulher por dentro: os primeiríssimos planos mais ginecológicos da História do Cinema perigam se encontrar aqui, chegando ao paroxismo de, numa cena antológica, um amante francês fotografar a vagina da protagonista e comparar com uma reprodução do famoso e polêmico quadro de Gustave Courbet, “A Origem do Mundo”. Perfeito!

Logo na primeira cena, algo atípico (e bem-vindo) nos filmes de Tinto Brass: um legítimo pênis masculino e não aquelas próteses gigantescamente bizarras que, volta e meia, surgem em meio aos delírios fogosos de suas protagonistas. Aqui não será diferente, mas há espaço para dois pênis de verdade. Estes têm a função de isentar a protagonista de sua insatisfação marital recém-adquirida: o marido dela dorme logo após o gozo, enquanto ela precisa masturba-se enquanto urina. Onde fica a câmera nesse instante? Beirando – ou melhor, quase ultrapassando – o útero da atriz principal, a bela, sedutora e quase inocente Anna Jimskaia. Apaixonei-me por ela, no ato! Eu e qualquer espectador decente, que chega a se impregnar do cheiro da xoxota dela, de tanto que a mesma é focalizada em ‘close-up’ pelas câmeras tipicamente ginecológicas do mestre italiano. A trilha sonora é bufona como de praxe, mas, ao contrário da tendência que o divertido e inferior “Faça Isto!” (2003) parecia anunciar, o roteiro é dramático, tanto quanto o épico íntimo “Paprika” (1991), o aconselhador “Todas as Mulheres Fazem” (1992) ou o existencialista “O Voyeur” (1994). E, nesse sentido, o brilhantismo das seqüências eróticas merece destaque para além da excitação inevitável que opera na platéia. Afinal de contas, aquele quase-estupro consentido em meio aos afrescos portentosos de uma galeria de arte pode ser chamado de mero oportunismo erotógeno? E a execução de “Non, Je Ne Regrette Rien” quando a protagonista é convidada a fugir para a França com seu amante parisiense? E aquela hilária situação de urina conjunta, em que uma mulher sai do banheiro e diz que “o cu não serve apenas para fazer cocô”? Se o ritmo do filme não caísse um pouco em sua segunda metade – afinal de contas, repetitiva, como sói acontecer em filmes eróticos, mesmo os de qualidade superior – eu gritaria aqui: OBRA-PRIMA!

Mesmo não o sendo, “Monamour” é laureado por detalhes extáticos surpreendentes, que, no plano enredístico, correspondem ao brilhantismo de uma seqüência tragicômica do já citado “Paprika”, quando uma prostituta enfarta no meio de uma transa, num bordel, e um médico que fodia no local diz que “ela não tem mais salvação, está morta, precisa de um padre”, e este surge, no mesmo bordel, levantando a batina arriada, a fim de lhe conceder a extrema-unção. Tinto Brass não é um polemista gratuito, ele escolhe seus alvos de crítica a dedo. Neste seu mais recente filme – até que saia a aguardada continuação das intrigas palacianas da era de Calígula, no ano que vem – a hipocrisia dos semióticos, dos beatos, dos infiéis, dos símbolos sexuais e dos próprios consumidores de pornografia (artística ou não) é posta em xeque. Fui atacado diretamente por este filme que, insisto, pensava ser uma obra menor na carreira elogiosa deste gênio pervertido. Não é. É um de seus filmes mais geniais enquanto conceito. Ótimo mesmo. E pouquíssima gente viu, é subestimado até mesmo por seus fãs. Está na hora de acabar com esta injustiça: à praça, Tinto Brass, já!

Wesley PC>

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