domingo, 14 de novembro de 2010

AINDA TENHO MUITO O QUE (TE) DIZER...

Depois que redigi o conteúdo da postagem anterior, fui tomado por um sentimento de culpa. Um sentimento não facilmente identificável (pelo menos no que diz respeito ao foco), mas perfeitamente reconhecível: é culpa. Culpa por falar demais, culpa por saber que, ainda assim, falei de menos. Enquanto tentativa desesperada primária de expiação, enviei uma mensagem de celular para um rapaz católico e pedi que ele rezasse por mim, mas, hoje em dia, ele considera pedir algo a Deus tão inócuo quanto debater noções galicistas de educação num evento universitário repleto de professores elitistas. Tive, portanto, que recorrer a outras formas de purgação confessional.

Liguei o rádio, ouvi uma coletânea de canções do The Cure e, enquanto preparava algo para comer, decidi ver aquele que entrou para a História como “o primeiro filme ‘gay’ produzido sob a égide da Alemanha Oriental”, extinto país dividido, murado e forçadamente comunista. Na trama do filme [“Coming Out” (1989, de Heiner Carow)], um professor de Literatura Germânica, fortemente influenciado por Bertolt Brecht e Johann Wolfgang von Goethe, esconde sua homossexualidade ao pedir em casamento uma professora que leciona na mesma escola que ele, com quem tromba acidentalmente num corredor. Para seu azar, um namorado de adolescência, completamente humilhado pelos pais dele, é um dos melhores amigos de sua noiva. E tudo volta à tona: não se pode esconder por muito tempo quem se é. Numa festa regada a bebedeira e espetáculos de transexuais, o professor se apaixona por um moço de 19 anos que tentara se suicidar na passagem de Ano Novo. Mas ele não dispõe de forças suficientes para assumir quem ele é. Ousa defender um negro que é espancado por ‘skinheads’ no metrô, mas não tem coragem de dizer à sua mãe que está apaixonado por outro homem. E o filme segue em frente, timidamente, reivindicando o simples e básico direito de amar, tendo o seu paroxismo dramático no encontro com um sobrevivente dos campos de concentração nazista, que explica para o protagonista o que foi usar o triângulo rosa por alguns anos, enfrentar os ataques repetidos de uma guerra, ser acolhido por comunistas que exigiam militância ativa após a rendição alemã e, ainda assim, ser proibido de exercer livremente a sua sexualidade. O socialismo é regido por uma moral estreita, como todos sabem, ao menos no plano da expressão sexual.

Para além dos vários defeitos do filme, a sua validade histórica e os seus clamores expressivos beirando a metalinguagem enredística expurgaram-me por alguns instantes. Sinto-me mais tranqüilo agora, sinto que não tenho do que me arrepender quando insisto em falar a verdade, ou, ao menos, o que entendo como verdade. E, por dentro, fico ainda tentando processar o que aquela canção iconoclasta, recitada num momento-chave do filme, quis me dizer:

“Minha mãe não me chama pelo nome
Minha mãe está morta
Meu pai não me chama pelo nome
Meu pai está longe
Deus não me chama pelo nome
Ele segue apenas seus próprios desígnios
Por isso, Ele uiva como um vira-lata
Enquanto eu tento enxotá-lo com um pau.
Tente viver sem Deus.
Oh, tente viver sem Deus!”


Eu, pelo contrário, só concebo a minha existência em Deus – e aceito-O, até mesmo como um vira-lata!

Wesley PC>

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