domingo, 17 de outubro de 2010

“SOMENTE DEVOTANDO-NOS AOS OUTROS É QUE PODEMOS DESENVOLVER A NÓS MESMOS”?

Recentemente, tive uma conversa demorada com um ser humano sobre as opções que motivam outros seres humanos a optarem conscientemente por ações que possam ser facilmente definidas com boas ou más. ESCOLHA, portanto, pareceu ser o termo-chave, ainda que eu pessoalmente acredite que, não só em meu caso como em muitos outros, em dado momento apurado de nossas experiências, tais escolhas passam a dar-se de forma subconsciente.

Esta minha crença, não por acaso, mas talvez por uma agradável coincidência, é o que baliza o enredo de “O Médico e o Monstro” (1920, de John S. Robertson), versão cinematográfica primeva para o clássico romance de Robert Louis Stevenson a que acabo de assistir. Não somente assistir, como também, em diversas seqüências, identificar similaridades com algumas de minhas doutrinas ativistas!

Intimamente, à medida que a trama evoluía, eu exultava com o quanto este belo filme mudo tinha a ver com assuntos que se tornam chavões positivos de meu dia-a-dia. Mais do que nunca, os questionamentos acerca dos imperativos categóricos kantianos voltam à baila: seria eu um bom homem? Agiria eu de bom tom?

No cerne da própria trama, algumas modificações formais em relação á estrutura do romance: o que é narrado em ‘flashback’ na versão escrita, é linearizado na versão cinematográfica. No começo, vemos o bondoso e filantrópico Dr. Jekyll (vivido pelo celebre e intimidador John Barrymore) ajudando alguns desabrigados a curarem-se de suas moléstias. Alguém lhe pergunta se, ao devotar-se sobremaneira a estas pessoas, ele não estaria negligenciando o seu próprio desenvolvimento. A resposta é o questionamento do título.

Amar indiscriminadamente ao próximo é algo que não é bem compreendido por todos, de maneira que a filantropia e a bondade inata do médico passam a ser questionadas por seus colegas, que o levam a um cabaré, tentando fazer com que ele “caia em tentação”. Consciente de que pode sucumbir ao mal, o Dr. Jekyll resolve criar uma formula que permite dissociar os instintos negativos e positivos de uma mesma pessoa em corpos diferentes. E assim nasce o Mr. Hyde!

Levemente semelhante ao médico na aparência física (afinal de contas, é o mesmo ator e a mesma pessoa!), Mr. Hyde distingue-se completamente dele em suas ações. Ele é perverso, adúltero, colérico e etílico. Instala o caos e a desonra por onde passa. Até alguns goles de uma dada fórmula trazem de volta o plácido e bondoso Dr. Jekyll, apaixonado e amado e retorno pela frágil Millicent, filha de um colega que discorda veementemente de seus ideais científicos.

Desastrosa e previsivelmente, torna-se cada vez mais difícil afastar a influência nociva do Mr. Hyde. E o que acontece no filme a partir de então é aquilo a que estamos acostumados nas trocentas versões desta mesma estória. Porém, o que me surpreendeu aqui foi o tom eminentemente dramático concedido à narrativa, conforme atesta o belíssimo intertítulo que escolhi como ilustração. O filme não se preocupa apenas em contar uma estória assustadora. Ele possui intentos morais bastante definidos e, por concordar em essência cm eles, fui particularmente fisgado pela beleza do filme. Era como se eu estivesse lá!

Orgulho, vaidade, luxúria, arrogância e prepotência são, portanto, os defeitos humanos mais condenados pelo filme, sendo que estes mesmos defeitos, a depender do contexto, são estimulados como designadores de hombridade clicherosa em produtos típicos de Hollywood, em especial, os atuais, dominados pela faceta mais cruel e imponente do que convencionou-se chamar de “lógica cultural do capitalismo tardio” (ou seja, pós-modernismo). Vi este filme imperfeito e bonito não apenas como um filme, mas como uma lição de moral, um gancho temático com diálogos sôfregos e recentes, que explicam o porquê de eu insistir tanto para que este texto rasteiro fosse composto por oito parágrafos: porque eu acredito que a resposta à pergunta do título seja SIM. Quanto mais eu me devoto a outrem, mais eu percebo que, antes de amá-lo, amo também a mim mesmo e ao que entendo como Deus!

Wesley PC>

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