domingo, 10 de outubro de 2010

“NÃO DEVEMOS PENSAR NO SENTIDO DA VIDA O TEMPO INTEIRO, SENÃO ENLOUQUECEREMOS”!

Depois de ser submetido em seguida a Thomas Mann, Virginia Woolf, Theodor W. Adorno e Michael Haneke, um jovem erudito e aceitamente pernóstico que trabalha comigo disse que leria um canônico romance sobre vampiros escrito por Anne Rice em 1976 com o intuito de “equilibrar um pouco a mente, dar um tempo para os livros-cabeça”. A edição que ele possui do referido livro, porém, foi traduzida por ninguém menos que Clarice Lispector, o que já indica que ele não será de todo bem-sucedido em seu intento fugidio. Mas demos tempo ao tempo...

O referido rapaz é trazido à tona no intróito deste texto porque calha de ele ser fã do cínico diretor alemão e posteriormente naturalizado norte-americano Mike Nichols. Como gosto de compartilhar tensos momentos dialogísticos com ele, esforço-me para acompanhar suas referências, de maneira que quando vi “Uma Lição de Vida” (2001), obra menos conhecida do diretor, ser exibida na TV não titubeei: consumi cada segundo deste filme como se estivesse diante de um tratado filosófico-midiático sobre o tipo de angústia receptiva que incomoda hodiernamente o meu colega de trabalho. A frase que intitula esta postagem explicita bem o que quero dizer e ela voltará no contexto específico, devidamente retirada do belo filme a que tive acesso...

“Uma Lição de Vida” é uma péssima tradução para “Wit”, título original que quer dizer “entendimento, inteligência”. O roteiro, escrito pelo próprio diretor e pela protagonista Emma Thompson, com base numa peça ‘off -Broadway’, é centrado numa professora universitária extremamente erudita que se vê refém de um degenerativo tratamento quimioterápico contra o câncer de ovários que a acomete. Especializada (ou melhor, PhD) em agonia perante a morte com base nos sonetos do poeta metafísico John Donne (1572-1631), ela se sente ignorante quando tratada como um simples objeto de pesquisa num hospital. E, a partir daí, o diretor-roteirista constrói seqüências geniais, que põem em pauta assuntos que eu e o referido colega volta e meia nos vemos debatendo:

Seqüência 1: a narradora do filme conversa diretamente conosco, explicando a que tipo de humilhação objetal é diuturnamente submetida por causa de sua doença, grita “ação!” e vários médicos surgem, enumerando os trocentos sintomas e efeitos colaterais de seu tratamento como se ela estivesse ausente ou inconsciente. Quem quiser que me diga que é diferente;

Seqüência 2: a orientadora monográfica da professora cancerosa visita-a no hospital e encontra-a gemendo de dor. Pungida pela compaixão, ela fica descalça, sobe no leito de sua orientanda e lê uma estória infantil que comprara para seu bisneto. Acostumada a análises “mais militares do que poéticas” do que lê, a orientadora da PhD detalha minuciosamente todos os detalhes da publicação editorial do livro em suas mãos, até finalmente deter-se na trama propriamente dita, sobre um coelhinho que quer fugir de casa, mas que é advertido pela mãe do mesmo de que ela o perseguirá onde quer que ele esteja. Quando desiste de fugir e resolve ficar em casa, a mãe apenas diz; “coma, então, uma cenoura, meu filho!”. Depois de ter tachado esta simples estória infantil de “percuciente metáfora para a alma” ou algo a respeito de Deus, a orientadora mais velha apenas exclama, lacrimejante: “maravilhoso!”;

Seqüência 3 (compêndio de duas seqüências, aliás): a protagonista e um enfermeira conversam sobre suas experiências pessoais e memórias de infância enquanto chupam um picolé, quando a primeira percebe que sempre fora muito indócil quando lecionava, ao passo que a segunda demonstra possuir um conhecimento prático da vida, não entendo para que serve a exegese poética árdua, por exemplo. Emocionadas com a gravidade do estágio avançado da doença da primeira, a segunda convence-a a repudiar procedimentos de ressuscitamento caso seu coração deixe de funcionar. Numa seqüência seguinte, a enfermeira impede que o médico a mantenha viva e dependente de aparelhos com o mero fim de estudar seus progressos exorbitantes no que tange às reações aos medicamentos insidiosos. Conversam sobre de que serve entender tanto de poesia num contexto destes. A conclusão de ambos vem através da frase que intitula esta postagem.

Poderia aqui descrever muitas outras situações desta produção televisiva mui fluente, mas provaria assim futuros espectadores de entrarem em contato com este belo exercício reflexivo do genial diretor-roteirista Mike Nichols sobre o que é inteligência ou para que serve este bendito conceito. Poderia falar sobre as lembranças de infância da professora, sobre a confusão interrogativa que se estabelece quando ela confunde uma pergunta sobre quem é o doutor que a está acompanhando no hospital com a sua titulação universitária ou sobre os arrependimentos que ela quase demonstra no que tange ao abandono de uma vida social mais trivial em prol de sua imersão literária, mas não o farei. Direi apenas que sinto uma fortíssima dor na mandíbula direita por causa de minha sinusite crônica e, como tal, ingeri um comprimido de cefalexina, coisa que evito ardorosamente, mas não suporto a dor. Dói muito. Fez-me bem ver este surpreendente filme menor de um grande contestador hollywoodiano!

Wesley PC>

Um comentário:

tatiana hora disse...

quando eu era adolescente era fã de Anne Rice, digo logo.
até hoje acho os vampirores uns seres tchananam!