quinta-feira, 3 de junho de 2010

VERMELHO-AUSÊNCIA (RELIGIÃO)

Comigo trabalha uma espevitada garota evangélica, formada em Letras/Francês a apreciadora da Lady Gaga. Há alguns meses, passei-lhe um DVD com uma série de filmes dirigidos pelo polonês Krzysztof Kieslowski e, na tarde de anteontem, quando eu e outro rapaz conversávamos sobre alguns filmes que eu queria que ele visse, a mocinha levantou a voz e disse que havia gostado muito de “Decálogo 3” (1988), um dos filmes da cinessérie que eu menos aprecio. Será que o problema era comigo? Certifiquei-me com ela de que a mesma estava a elogiar o filme correto e, na madrugada de ontem para hoje, revi o filme. Insisto em achar dele o que achei da primeira vez. Porém, sempre que revemos algo, vemos algo que não tínhamos percebido da primeira vez. Talvez tenha sido o caso...

Para começo de conversa, não percebo que o protagonista, ainda vestido de Papai Noel, esbarra no protagonista do primeiro filme. Porém, senti a mesma aflição no que diz respeito à excelente direção de fotografia de Piotr Sobocinski que dota o filme com um clima extremamente avermelhado de solidão extrema. Por mais que tendamos a associar a cor vermelha à luxúria ou a algo do gênero, aqui o tom eritrocromático tem mesmo a ver com desolação, com abandono natalino. De um lado, um homem que comemora esta festa religiosa com sua família (mulher e filhos). Do outro, uma mulher amargurada e solitária(de oportuno nome Ewa), que havia sido amante do homem casado num passado recente. Além dele, ela tivera também um caso com outro homem casado, que desaparecera, aparentemente louco. Ela, então, pede que o ex-amante inicial a acompanha numa jornada por delegacias, hospícios e necrotérios, em busca do seu amante atual, em plena madrugada natalina. Mandamento religioso em voga (e desobedecido): “guardarás o dia do Senhor e o santificarás”.

O fotograma acostado a esta postagem é o que a atual esposa do ex-amante da mulher solitária observa pela janela de sua casa, quando o marido sai de casa em plena comemoração natalina, alegando que alguém está tentando roubar o carro da família. Esta mesma imagem terá eco noutra cena cabalística do filme, que, ainda que seja um dos menos interessantes e um dos mais narrativamente confusos da cinessérie, é tocante, é musicado por Zbigniew Preisner, nos deixa pensativos ao final da curta sessão. Depois do feriado santo de hoje, portanto, terei o que conversar com minha amiga de trabalho evangélica e espevitada.

Wesley PC>

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