quarta-feira, 2 de junho de 2010

O FILME QUE EU QUASE NÃO VI, O LIVRO QUE EU JÁ DEVERIA TER LIDO E O MENINO QUE DIZ “SEMPRE” (= “NUNCA”) PARA MIM E “QUASE” PARA AS OUTRAS PESSOAS...

19h de terça-feira é meu horário de folga. Como eu dispunha de umas horas trabalhadas a mais, pude sair meia-hora antes e partir para o cinema, onde planejava ver “Quincas Berro d’Água” (2010, de Sérgio Machado), menos por interesse propriamente dito no filme – não obstante ter gostado muito do clima sensual de “Cidade Baixa” (2005), do mesmo diretor – e mais por necessitar de um pretexto para postar algo em meu ‘blog’ de críticas cinematográficas, inane há algumas semanas, em razão de minha falta de estímulo para ver filmezinhos meia-bocas no cinema, gastando dinheiro para tal.

Cheguei ao ‘shopping center’ onde fica localizado o cinema com meia-hora de antecedência. Precisava apenas ficar numa fila de caixa automático do Banco do Brasil antes de comprar o ingresso, visto que não dispunha de dinheiro em espécie na carteira. As filas estavam imensas, em todos os caixas automáticos do local. Posicionei-me pacientemente numa delas e, a duas pessoas de chegar a minha vez, o caixa desliga sozinho, misteriosamente. Faltavam 5 minutos para começar o filme. Resolvi comprar algo para comer num supermercado (a velha combinação iogurte de morango + batatas-fritas industrializadas), mas as filas estavam igualmente longas. O horário de início da sessão estava tinindo. Como já estava na fila, permaneci ali por mero mecanicismo famélico-burguês, se é que esta expressão composta não é um oximoro. Para piorar a minha pressa, a máquina de passar cartão no caixa do supermercado estava com defeito, mas a atendente era simpática e precisava de um descansinho. Fiquei feliz ao poder proporcionar-lhe isso, ao preço de meu atraso.

Segurando duas bolsas plásticas com os meus objetos de consumo alimentício, corri em direção à sala de cinema. “Será que eles aceitam depositar o preço do ingresso como débito em meu cartão bancário?”. A resposta foi positiva, de maneira que consegui entrar na sala em que o filme estava sendo exibido, ainda no primeiro minuto de projeção. Ufa!

A sala estava lotada. Pessoas gargalhavam freneticamente ainda no começo do filme. Eu arranjei um lugarzinho para saciar a minha fome e comecei a prestar atenção ao filme. Era bom. Exagerava nalguns estereótipos baianos e errava ao incluir atores do sudeste brasileiro em meio àquela talentosa fauna local. Mas o filme era bem-conduzido e bem-interpretado. O roteiro do diretor Sérgio Machado era bom. Não ri tanto quanto as pessoas ao meu redor, mas gostei do filme, das noções morais de apreço à boemia que ele dignifica. Trama resumida: um bêbado querido falece e, durante o velório, os melhores amigos do defunto são expulsos da cerimônia pela filha do mesmo, envergonhada por saber que o pai tornou-se vagabundo já depois dos 50 anos de idade, quando se enfastiou da esposa megera e do tédio decorrente de seu trabalho como burocrata. O resto é embate de classes!

Senti que questões morais importantíssimas do filme foram dirimidas em função das gargalhadas involuntariamente legitimadoras de preconceitos populares do público. Tentei esboçar as primeiras linhas da crítica assim que cheguei em casa, mas só consegui fazê-lo 12 horas depois. Precisava regurgitar mais as imagens e sons por mim consumidos. Aliás, gostei tanto da trama que suspeitava que deveria ler o romance-base o quanto antes. Dito e feito: às 19h desta quarta-feira, pedi permissão aos meus colegas de trabalho e fui à Biblioteca da UFS, buscar “A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água” (1959), obra-prima do baiano Jorge Amado. Tinha programado a sula leitura para o feriado de ‘Corpus Christi’, nesta quinta-feira. É um livro curto. A oportunidade, portanto, era ideal.

Ao chegar em casa, depois de caminhar meia-hora, pensando numa diferença essencial de tratamento por parte do belo estagiário novo [sempre que perguntamos se ele está bem, a resposta para mim é “sempre” (que é igual a “nunca” em valor), mas para as meninas, ele diz “quase”]. “Por que ele faz isso?”, pensava eu, enquanto me deleitava com as músicas tristes da banda turca Duman.

Caminhei um pouco mais e adentrei a residência de um jovem parceiro para-sexual. Este jazia sozinho no sofá de sua casa, com os cabelos molhados. Havia acabado de tomar banho e, como estava sozinho, com certeza havia se masturbado demoradamente. Não havia possibilidade de eu obter gotículas de seu sêmen nesta noite. Porém, como ele é uma pessoa agradável e sua presença fetichista me faz bem, quedei-me alisando seus pés, pernas e genitália por pura necessidade de demonstrar afeto, enquanto que, com a outra mão, eu folheava o livro que acabara de tirar de minha bolsa.

Logo na primeira página, a certeza de que era uma obra-prima de nossa literatura: como eu pude deixar de conhecer Jorge Amado antes? O livro é uma extraordinária exortação à vida, à amizade, à prazenteira valorização de cada minuto de vida e morte. Nem uma hora se passou e eu acabara de ler o livro: perfeito. Estava emocionado. Sentia-me bem. Sentia-me feliz!

São 23h19’ de quarta-feira. Ainda me sinto assim.

Wesley PC>

Nenhum comentário: