segunda-feira, 17 de maio de 2010

VEGETARIANO: POR QUE NÃO SÊ-LO?

Um amigo querido pediu-me que escrevesse um texto explicando as razões que me levam a ser vegetariano depois de uma discussão acalorada que tivemos num quiosque do calçadão do bairro 13 de Julho. Segundo ele – ambientalista por vocação, formação e profissão – seus anseios pessoais pela abolição da carne animal em sua dieta alimentar básica só é contrabalançada pelo que ele não conseguiu explicar bem como sendo um “modismo” vegetariano. Insisti que não entendi o que ele quis dizer com isso, não obstante ter consciência de que muitos alegados vegetarianos o são por moda, e que isto pouco interfere em minhas razões pessoais para me opor ao consumo de animais mortos. Não quis usar os ensinamentos éticos do filósofo Peter Singer para justificar minhas motivações pessoais, visto que ainda li muito pouco deste teórico consagrado, mas creio que posso explanar aqui algumas características básicas e mui subjetivas de minha recusa em comer carne:

- Primeiro: sou religioso e, como tal, levo a sério o mandamento religioso “não matarás”. Logo, não vejo razão imediata para precisar tirar a vida de um animal – ou, de outra forma, ser cúmplice de um tipo similar de assassinato, se posso me alimentar perfeitamente de vegetais, incluindo aqueles que apenas caem das arvores, supondo que um dia chegue a um nível extremo de militância.

- Segundo: não somente os derivados de carne animal são mais caros que outros tipos de alimentos como é cientificamente comprovado que muitos dele são carcinogênicos ou responsáveis por diversas doenças, desde o aumento dos índices de colesterol até obesidade e congêneres.

- Terceiro: não gosto do sabor de muitos destes derivados de carne animal, desde pequeno, aliás, o que me é uma facilidade deveras particular, da qual fico muito contente por possuir, tornando um tanto fácil a minha determinação para tal, não obstante admitir que gostava de camarão (sendo que o caruru e o bobó veganos são igualmente deliciosos) e que tinha muita curiosidade de experimentar o sabor de tanajuras e outros insetos antes de morrer.

e – Quarto, mas não o último, para além do caráter definitivo deste argumento: não vejo sentido em atrelar a criação e reprodução forçada de animais como vacas e galinhas ao ciclo mecânico do comércio, que muitas e muitas vezes levam os consumidores a ignorar que seres vivos são condicionados desde antes do nascimento a serem transformados em mercadorias vendáveis. O pior: em alguns casos, as empresas que comercializam estes animais mortos e embrutecidos mercadologicamente utilizam imagens sorridentes do mesmo em suas embalagens, sendo o exemplo do peru sorridente da Sadia o mais crônico. Acima de todos os defeitos prosopopéico-discursivos que detecto no documentário “A Carne é Fraca” (2005, de Denise Gonçalves), admito que o enfoque neste ponto de vista é surpreendente e digno de elogios. Digo mais: é tão inquestionável em sua obviedade militante, que não entendo como possam haver ambientalistas e/ou alegados socialistas universitários que não achem incoerente lutar por uma causa e comprarem toucinho no supermercado. Não entendo!

Admito que o problema do consumo e do boicote a dados aspectos negativos do comércio é muito mais complicado do que fiz pensar no parágrafo acima e que possibilidades de resolução dependem de um cabedal imenso de pequenas atividades naturalistas, mas tem-se que começar por algum lugar, não é não? Deixo claro, inclusive, que este texto não pretende julgar ninguém nem tampouco soar doutrinário, diz respeito claramente a valores pessoais que defendo e que são, neste caso, diretamente responsivos à situação apresentada no começo de sua escritura, mas ficaria contente se o debate fosse levado à frente. Gostaria de ouvir contra-argumentos, de conversar mais sobre o assunto, de comungar ideologicamente com amigos e leitores que também concordam que “modismos” são, sim, bastante problemáticos e tendenciosos, mas, no caso do vegetarianismo, existem muito mais interesses por detrás do que a simples adesão inconsciente. A devastação de vastas áreas de vegetação em virtude da criação de pastos para monocultura de soja (alimento principal de alguns veganos) é apenas um ponto possível de partida...

Wesley PC>

4 comentários:

Jadson Teles disse...

Caro Wesley,

não sou vegano, mas como adepto do consumo de soja fico pensando muito acerca do problema posto na última oração do seu texto. alguns amigos que são veganos afirmam abandonar o consumo da soja depois de um tempo que chamam de transição, aquele tempo em que o recém vegano ainda sente vontade de comer carne. existe na verdade uma ampla culinária vegana até com chefes de cozinha afamados e tal, mas o fato é que estamos tão acomodados com um tipo de alimentação que acabamos viciando nosso paladar. sabemos também que o consumo de açucar e do café é igualmente prejudicial ao meio ambiente, como sempre a cultura agricula brasileira é baseada na devastação monocutural e nunca paramos para pensar como aquela comida veio parar em nosso prato, dai chegamos ao processo de produção capitalista que tende a alienar desde o trabalhador até o consumidor.

bem podemos conversar mais, visse!

Jadson

Tiago de Oliveira disse...

Sabem... deveras feliz por perceber que enxergam além. Confesso que temia o contrário. A coisa é complexa, não é?

É por isso que o tal "ponto de partida" ainda me parece um tanto equivocado. Mas... lutemos com as armas que possuímos... tenho tido progressos.

Me dou por satisfeito, para início de discussão, pelo fato de terem alocado o meio ambiente adequadamente. Seria muita estupidez e incoerência apartá-lo das questões vegana e vegetariana, como fazem muitos.

* Nobres causas, querido amigo Wesley, especialmente quando não se sente atraído por carnes desde criança.

Mas... a continuação dessa discussão, creio eu, será de grande valia para todos nós.

Pseudokane3 disse...

O que me leva a recomendar, Jadson, com todos os problemas de enfoque nacional e ideológico, o filme COMIDA S.A.. Tu já viste? Me fez ficar tão agoniado acerca daquilo que (acho que) "preciso" consumir quanto fiquei agora, quando puseste em voga estas questões sobre a devastação provocada pelas monoculturas do açúcar e do café. É um drama eterno este da individualidade ética X coletividade consumo-destrutiva!


E, sim, conversaremos mais sempre e sempre...

Pseudokane3 disse...

E, sim, Tiago, querido, a continuação desta discussão (em nível público, aliás) será de grande valia para NÓS - em todos os sentidos que esta palavra abarca...

E talvez para mim tenha sido "fácil" (risos), mas... E se fosse de outro modo, né?

Continuemos!

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