quarta-feira, 26 de maio de 2010

“JOGOU NA MÃO DO BARTOLOMEU/ FOI POR ISSO QUE O BICHO NÃO DEU”...

“As ações policiais têm de respeitar as diferenças de gênero, classe, idade, pensamentos, crenças e etnia, devendo criar instâncias de proteção aos direitos dos diferentes, a fim de proporcionar-lhes um tratamento isonômico. Não se pretende uma abdicação da força. O que se pretende é o uso técnico, racional e ético da força, nos casos em que ela for necessária” (Projeto de Segurança Pública Para o Brasil – Antônio Carlos Biscaia et alli., 2005)

Com este parágrafo, dois dos meus atuais projetos de pesquisa não inicialmente voluntários mesclam-se num interesse comum: descobrir o que se legitima por detrás de discursos institucionais preconceituosos de esquerda, entendendo-se esta subdivisão pseudo-política como uma cisão programada pelo próprio sistema capitalista, em sua insistência por polaridades espúrias que só encrudecem ainda mais o seu poderio, através de impotência da imutabilidade. Pois bem, estudo agora os filmes da Companhia Cinematográfica Atlântida (mal-falada, inclusive por mim, por causa de sua porra-louquice estilístico-carnavalesca) e os vetores teoréticos das funções policiais (comumente rejeitados em virtude de vazamentos oportunistas de situações envolvendo corrupção operacional e inversão valorativa em julgamentos classistas e contra-entorpecentes, por exemplo).

Sobre este segundo tema, estou a ler um documento coletivo muito interessante, ditado em sala de aula, em que os problemas administrativos do Brasil no que se refere à Segurança Pública são enxergados mais como deturpações conspiratórias verídicas que empresários poderosos (inclusive, do narcotráfico “consentido”) do que como manifestações “(i)naturais” da desorganização demográfica das classes menos favorecidas aquisitivamente. Para minha surpresa – digo mais: choque! – o documento é muito claro em sua explicitação de que interesses políticos e oligopolistas-midiáticos se escondem por detrás da criminalização do que deveria ser tratado como “caso de saúde pública” e da hipertrofia disfuncional das atividades policiais. Mesmo que eu não faça uma boa prova sobre o assunto amanhã, sei que entrei em contato com um ponto de vista progressivo e relevante, demonstrando que ainda existem jornalistas pensantes e eticamente comprometidos no contexto atual de anomia comunicacional de massa.

Sobre o primeiro tema, as descobertas estão sendo ainda mais graduais e comparadas, visto que tenciono perceber como um conceito estimulado de “povo” migra da reprodução festiva de eventos e costumes pitorescos do malandro (carioca, principalmente) para a imbecilidade impositiva de alguns filmes produzidos pela TV Globo, estando a contestação intelectual do Cinema Novo entrecortando (sem sucesso? Por quê?) este processo. Eis um estudo que talvez me acompanhe até o dia em que eu jaza num caixão...

Entretanto, algumas palavras sobre o pouco conhecido exemplar cômico “E o Bicho Não Deu” (1958, de J. B. Tanko), exemplar tardio da supracitada Atlântida, devem sem proferidas: trata-se de um filme sem Oscarito, astro-mor da produtora, em que, como o título anuncia, o outrora popular jogo do bicho é o tema central. Grande Otelo, inspirado e mui competente como sempre, interpreta um bicheiro “honesto”, que, sem que perceba, fomenta os crimes maiores dos empresários corruptos e malévolos que financiam suas apostas. O desengonçado (digo mais: sem graça mesmo!) Ankito interpreta, por outro lado, um detetive anti-jogatina que, após sofrer um acidente encefálico, reveza-se numa personalidade bicheira do passado sempre que ouve algum apito desencadeador. Entre esses dois personagens, transitam todas aquelas tipificações popularescas, números musicais de qualidade e caricaturas sub-hollywoodianas que tanto caracterizam a Atlântida, mas o que me perturbou aqui foi como um tom mais sério – e, ainda assim, não denuncista – se consolidava por entre as correrias e qüiproquós dos protagonistas. Minha mãe (beirando os nostálgicos 70 anos de idade) sorria bastante vendo o filme, enquanto eu emitia sorrisinhos amarelos (alguns realmente sinceros) e me dispunha internamente a estudar com mais afinco estes filmes. Enquanto novas oportunidades se descortinam no horizonte histórico de meus contatos passionais de Universidade, fica aqui um diálogo genial do filme:

“ – Quer dizer que amnésia e magnésia são coisas diferentes?
- São!
- E quando é que alguém tem amnésia?
- Quando ele não sabe para onde vai.
- E magnésia?
- Ah, este sabe para onde vai, isso eu garanto!”


Wesley PC>

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