terça-feira, 6 de abril de 2010

“SENHORA” (1875), OBRA-PRIMA LITERÁRIA DE JOSÉ DE ALENCAR:



“Vertendo então n’alma do moço os eflúvios de seu inefável sorriso, Aurélia retirou-se da janela”.

Com esta passagem típica, decorrida após 52 páginas, no final do oitavo capítulo da primeira das quatro partes de que se compõe o romance, eu me entreguei soberanamente a este magnífico exemplar de Literatura, a esta suprema descrição dos ideais românticos que moviam seu egrégio autor. Quando li as três primeiras páginas deste livro no interior de ônibus, às vésperas do feriado de Páscoa, percebi que tinha locado na biblioteca a obra errada de José de Alencar. Tencionava ler uma trama explícita acerca da subsunção da mulher à honra e à prostituição, mas resolvi dar ao destino a oportunidade de seduzir-me com este livro cujo título já fora alvo de meus preconceitos de adolescente. Mal sabia eu o que me esperava: tantas projeções e identificações lancinantes este livro me cravou na alma, tantas!

Por detrás e em frente à pletora de adjetivos utilizadas pelo autor (que, por vezes, fazia-se de narrador cínico tipicamente realista), via a mim mesmo esparramado na trama, pulsando fortemente diante da dolorosa saga de Aurélia, moça rica na primeira parte do romance, mas que aos poucos revela suas intenções e dramas, seu convívio extremo com a pobreza, a rejeição e a orfandade e os motivos que a levaram a comprar um marido, marido este que era apaixonado por ela no auge de sua miséria, mas que foi levado a optar pelo casamento de conveniência em pelo menos duas vezes. Contar mais será estragar as surpresas de quem se dispor a penetrar a magnificência desta obra-prima de nossa literatura, inclusive tão consciente de seu papel fundamental que, numa passagem genial e inesperada, o narrador lança o seguinte petardo:

“Aconteceu uma noite cair a conversa em assunto de literatura nacional. Fato raro. Entre nós há moda para tudo nos salões; menos para as letras pátrias, que ficam á porta, ou quando muito vão para o fumatório servir de tema a dois ou três incorrigíveis”.

Sou um destes incorrigíveis, a tal ponto que não acreditei quando li esta passagem, às 5h da madrugada em que a tensão reinante entre a ânsia e o medo de um reencontro me afligia. E, para tornar ainda mais pungente esta tensão, cabe ressaltar que a pessoa que eu reencontraria tachou-me justamente disso: incorrigível. E eu assim o sou!

Como dormir ou fazer qualquer coisa antes que chegasse ao fim desta preciosidade literária que tão a nu punha a minha alma? Como? Sentei-me e devorei as 50 páginas que restavam para que eu chegasse ao fim do relato, para o qual, juro, torci para que houvesse um final feliz como nunca eu desejei durante uma leitura. Teria eu conseguido este final desejado? Sugiro que a obra original seja visitada no afã pela obtenção da resposta, à qual se segue um apêndice literário epistolar, publicado à época, em que uma leitora do romance assevera: “não pergunto à rosa que me enfeita e à seda que me veste, qual o canteiro ou o tear que produziu estas maravilhas. Da mesma forma não inquiro do livro, que cérebro o pensou, que mão o escreveu”. Eu exulto: sou agora um devoto alencariano. Ajoelho-me perante a sua genialidade.

Wesley PC>

2 comentários:

Rafael Maurício disse...

Eu li "Senhora" há 5 anos e achei chato, quem sabe agora sirva? vou dar mais um tempo

Pseudokane3 disse...

Serve! Faça o teste!
Eu sempre achei que o destestava em virtude do preconceito alencariano, mas... Juro! Me tirou o sono! Fiquei agoniado, com o coração altivo, pulsante!

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