quarta-feira, 7 de abril de 2010

POR MENORES QUE SEJAM, AS AZEITONAS SEMPRE TÊM CAROÇOS.

“Este é um diário de ódio”: escreve Graham Greene num de seus mais maravilhosos livros a se tornar filme. “Este é um diário de tristeza”, ousaria dizer eu em resposta. Tristeza militante.

Os germes conteudísticos e sentimentais para tal publicação já estavam preparados há quase uma semana, mas não encontrava o momento ideal para começar a redigir. Na noite de ontem, quando finalmente vi “Balada Para Satã” (1971, de Paul Wendkos), pensei que o momento havia chegado. Na trama, um jornalista cultural é convencido por um pianista idoso e especialista em Franz Liszt a passar menos tempo diante de sua máquina de escrever e mais diante de um piano. Tudo, porém, não passava de um plano diabólico para possuir seu corpo e rejuvenescer às custas de outrem, rejuvenescimento este que implica na subsunção da esposa do jornalista a um pacto demoníaco, em que se deixa tornar vassala de Satanás a fim de permanecer ao lado do corpo do homem que amara. Não é escusado dizer que fiquei com medo de me imaginar em situação similar.

Dormi. Acordei. Comi. Fui para o trabalho. Conversei. Mijei. Bebi água. Ouvi músicas. Li. Arrotei. No prato de comida que comi há pouco haviam pequenos frutos de uma oliveira, todos prenhes em caroços, que, mesmo sendo mastigáveis, me deixaram receoso em adquirir apendicite, doença esta que tornou-se célebre em minha vida pessoal, em virtude de um episódio de adolescência, quando me compadeci de uma colega de classe que supostamente teria desmaiado em virtude de uma crise dolorosa desta doença, mas que, dez anos depois, descobri que se tratava de um aborto mal-feito. Choque: sequer imaginava que aquela moça, de nome Valdete, tinha vida sexual ativa, que dirá que a mesma havia interrompido uma gestação em vigor. Pessoas enganam a gente!

O que me traz de volta ao germe fotográfico desta confissão textual: na semana passada, eu e uma amiga de trabalho fomos buscar nossas carteirinhas de universitários, referentes ao período letivo 2010/1. A fotografia era tirada no próprio momento de confecção do artefato e, enquanto esperava a minha vez na fila, percebia que o arremedo de fotógrafa tratava as pessoas com brutalidade, dizendo que nunca havia tanta gente feia junta e ordenando que as pessoas tirassem fotos sorridentes e sem óculos. Ao chegar a minha vez, não quis tirar foto triste. “Não sou assim, preciso de uma foto taciturna e sincera”. Peguei emprestados os óculos de uma garota que estava na fila e sorria de minha defesa personalista e insisti em ser fotografado com a expressão grave que já me caracteriza. A mulher insistia para que eu sorrisse. Eu negava veementemente. Até que ela arrematou: “menino, ria logo que tu estás a atrasar a fila”. Eu pouco me lixei para a ordem ríspida: “tire a foto do jeito que eu quero que a fila volta a andar”. Ela se revoltou e a foto ficou como ficou. Não está iluminada nem aproximada como eu gostaria que estivesse, mas pelo menos não estou sorrindo. Menos mal. Tenho mais com o que me preocupar.

Wesley PC>

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