sábado, 20 de março de 2010

“A VIDA É BELA, A VIDA É MARAVILHOSA! OLHA SÓ QUE CÉU HORRÍVEL!”

Como é que eu posso me sentir tão desolado diante de um filme que, desde já, é um dos melhores que já vi em vida? Como se pode admirar a beleza da vida, ao mesmo tempo em que se percebe a decadência do mundo ao redor? Por que me incomoda tanto o fato de que este filme perfeito é ignorado pela maioria das pessoas que conheço? Por que finjo detestar tanto os ‘pimbas’ quando eles me atraem tão violentamente? Por quê?!

Todas as perguntas acima podem ser respondidas com propriedade em “A Mãe e a Puta” (1973, de Jean Eustache), filme absolutamente perfeito que, em suas quase 3 horas e 40 minutos de imagens tristes e irônicas em preto-e-branco, mostra o muso da ‘nouvelle vague’ Jean-Pierre Léaud vagando por uma Paris em que mulheres bonitas nem sempre compreendem suas preciosas referências culturais e nem sempre compactuam com seus novos valores morais advindos da comunhão conflituosa das conseqüências da revolução de Maio de 1968 e do desbunde pós-moderno. “A Mãe e a Puta” é um filme absolutamente perfeito, em que um homem que compartilha teto e amor com uma vendedora de roupas que sente prazer em lavar pratos frustra-se quando sua amante universitária o abandona para casar com outro homem. Ele, então, apaixona-se por uma enfermeira polonesa que se deixa flertar quando sentada numa cafeteria e esta mostra-se desesperada em sua mixórdia de pureza e vulgaridade, de solicitude profissional e egoísmo vingativo. Não dá para explicar o que se sente diante desta obra-prima, só vendo, só divulgando, só convidando as pessoas a descobrirem-no. É simplesmente perfeito – e melancólico, apesar de todo o bom humor que ele nos habitua a sentir com base em seus personagens facilmente identificáveis com a vida real. Descubram-no, pro favor. Vejam-no, sintam-no, apreendam-se!

Este filme fisgar-me-ia em qualquer situação, mas foi-me particularmente devastador esta semana, em virtude do que senti numa das aulas a que assisti esta semana, referente a uma disciplina de nome Seminários Temáticos VI, disponível para alunos do sétimo (ou penúltimo) período letivo do curso de Jornalismo. Na disciplina, a professora exigente falava sobre as diferenças conceituais entre ecossistema e bioma e esforçava-se para nos mostrar o quanto é relevante o nosso papel retroalimentador de ideologias na mídia de cunho (contra-)ambientalista. Fiquei caladinho no fundo, enquanto observava meus colegas de classe trocarem argumentos num dialeto intra-comunicacional ao qual não mais estava habituado. Em dado momento, tive que me perguntar: que diabos é “bancada dos ruralistas”? Onde estava eu que não me atualizei sobre isso? É importante mesmo para meu desenvolvimento pessoal? À minha frente, um estudante egresso do curso de Engenharia Florestal esperava o final da aula para me revelar detalhes surpreendentes sobre as falácias pseudo-ecológicas das coberturas jornalísticas atuais. E eu ficava pensando no quanto eu não conseguia achar alguns daqueles alunos pretensiosos feios. Pôrra, tem meninos bonitos em minha classe! Bonitos mesmo!

Voltando ao filme: seu título permanece enigmático até uma cena perto do final. De repente, eu faço coro com a protagonista loira, quando esta se questiona sobre o quão determinante para sua personalidade foi desfrutar de apenas cinco anos de vida sexual (muito intensa, por sinal). Ela descreve minuciosamente como um médico velho a deflorou e como suas fantasias sexuais de trabalhadora hospitalar (masturbar belos enfermos sob os lençóis dos leitos, por exemplo) foram dizimadas pelas exalações cancerosas e pútridas da realidade moribunda. E eu não queria me identificar com ela, não queria ser como ela, mas sou, e serei: obra-prima! Tenho que ver "A Mãe e a Puta" de novo - e não posso estar sozinho enquanto faço isto!

Wesley PC>

Um comentário:

Sr. Mágico disse...

Curioso pra ver esse filme...
deveria ter link de download!