terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

OSCAR 2010 - INDICADO Nº 2 [“PRECIOSA – UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA” (2009, DE LEE DANIELS)] E O ESTADO SOBREVIVENCIAL DE VIGÍLIA

Antes de se escrever qualquer palavra sobre as qualidades específicas deste filme cruel, convém dizer que fico preocupado com o contexto em que eu o recebi: enquanto indicado de uma premiação hipócrita, enquanto peça vitoriosa e favoritada, que enche de alegria os envolvidos em sua produção quando estes recebem a notícia de que foram premiados em festivais de cinema em que as partes são desconexas do todo, em que o brilho de uma atriz coadjuvante parece desvinculada dos atropelos estilísticos de um diretor e dos acertos esperados da trilha sonora. Digo mais: fiquei muito triste em ter recebido o filme nesse contexto competitivo, quando a sua trama urge exatamente pela necessidade inversa, validando um anonimato justificado pela superficialidade do que é comumente visto nas ruas. Creio que somente vendo o filme para entender o meu desconforto prazeroso em tê-lo visto, mas... Vou tentar!

Antes de tê-lo assistido e quando conhecia apenas um trecho da sinopse (“garota negra e morbidamente obesa é comumente estuprada pelo pai e espancada pela mãe, enquanto compensa os sofrimentos repetidos de sua vida real com delírios freqüentes de que é uma artista magra e famosa”), imaginava que o argumento enredístico lembrava bastante uma vizinha minha, que tem traços bastante similares à protagonista. É xingada de “bruxa” desde criança pelas colegas perversas por ser gorda, é pobre e igualmente xingada pelas mesmas crianças em virtude de a energia elétrica de sua casa estar comumente bloqueada, trabalha eventualmente como babá, mas ainda assim sonha em ser uma atriz famosa, uma cantora de sucesso, uma Miss Brasil. O pior: para além de todos os sofrimentos e privações que enfrenta e enfrentou, ela tem a personalidade maquiavélica. É mentirosa e fuxiqueira, não obstante alegar ser uma mórmon praticante, e volta e meia está envolvida em brigas homéricas aqui na rua por causa de disse-me-disses envolvendo outras vizinhas. Digo ainda mais: ela nutre uma paixão secreta (ou confessa) por meu fornecedor seminal, não sendo poucas as vezes em que eu os flagrei em estado pré-sexual, visto que ele não rejeita nada, tudo pode ser prazeroso. Sua função (e a do seu pênis) é encher pessoas tristes de alegria. Nesse sentido, eu e a garota em pauta somos igualmente beneficiados. Menos mal!

Abri um parêntese longo, mas tem sentido: para além dos comentários um tanto demeritórios que fiz sobre a personalidade maquiavélica de minha vizinha, nutro uma pequena simpatia por ela. Ou melhor, tenho pena dela, nutro compaixão pela mesma e, como tal, pensava em sugerir que ela visse o filme e, quem sabe, se identificasse e pensasse melhor numa escolhas equivocadas que ela insiste em tomar. Para a minha surpresa, porém, o filme seguiu numa linha bastante diversa da que previa. Não sei se digo que é mais adulto do que eu esperava ou não, mas me surpreendeu. É estranho, é fortemente independente, é tão esquisito que reproduz a impressão de um sono de vigília, como se estivéssemos sempre confusos sobre o que realmente está acontecendo e o que está sendo imaginado. Por oras, o final é genial. Por oras, o filme é uma decepção formulaica. Em geral, é um filme inteligente, precioso, intenso e, acima de tudo, sobrevivencial. Nem de longe esperançoso, mas sobrevivencial.

Tem uma cena que me deixou particularmente apavorado de satisfação: após chegar em casa 5 dias depois de parir o segundo ilho deficiente de seu pai, e de flertar um pouco com o enfermeiro interpretado por Lenny Kravitz, a personagem-título é atingida por toda a fúria de sua mãe colérica, que credita à filha a sedução de seu falecido marido. Com o filho recém-nascido e muito frágil nos braços, Clareece Precious Jones (vivida corajosamente por Gabourey Sidibe) caiu da escada e consegue se desviar por pouco do aparelho televisor que é atirado contra ela. Em meioa tudo isso, ouvimos uma canção natalina extra-diegética e vemos fotos de uma álbum de família imaginário em que mãe, filha e neto compartilham um afeto excessivo e absurdamente incompatível com a atmosfera perversa do filme. Fiquei atônito, chocado. Tive um óbvio pesadelo após a sessão!

Como a cópia em que tivesse acesso ao filme estava prejudicada por uma legenda em espanhol defeituosa, precisarei revê-lo o quanto antes, divulgá-lo para todos os meus amigos, defendê-lo quando tacharem-no de “filme de Oscar”. Ele é muito mais do que isso! É um filme poderosíssimo e (caralho, tenho que dizer) muito original em sua amostragem da realidade sem enfeites não-oníricos. Tenho certeza de que aquilo acontece e continuará a acontecer, mas o modo perturbador como a estória foi contada, a paixão da protagonista pela Matemática e o final absolutamente sem perspectivas, apesar de existir quem diga o contrário, são elementos que me fizeram achar o filme ótimo. Fizeram-me uma pinóia. Ele é! E, quando a minha vizinha precisar, não vejo nada de errado em dividir o meu “fornecedor” seminal com ela (risos). Chega de ciúmes!

Wesley PC>

2 comentários:

Luiz Ferreira disse...

Vamos marcar então para assistirmos no cinema este filme weslinho.Assim matamos a saudade de nunca mais termos saindo junto, além disso me deixa curioso por assistí-lo.

Pseudokane3 disse...

Luiz querido, se quiseres adiantar a sessão , estou sempre com este filme na bolsa, em DVIX. Marca aí. Nos cinemas de Sergipe, as coisas boas demoram... Chuif!

saudades muitas - idem!

WPC>