sábado, 9 de janeiro de 2010

II – DO QUE EU SUSPEITO QUE SEJA O ÓDIO (ADAPTADO ÀS CONVENÇÕES DO NOSSO TEMPO)

Na noite, quando voltava para casa, acompanhei uma briga de casal. Aliás, nem sei direito se era um casal, dado que o homem era bem mais velho e rude que a mulher, mas era uma briga violenta. Protegidos pela escuridão e pela exigüidade de pessoas naquela estrada de terra em que caminhávamos, o homem se permitia gritar cada vez mais alto para a menina, que, nas palavras dele, estava brincando com ele, fazendo-o de besta. Não tinha a menor idéia do que estava a acontecer, bem perto de mim, e segui em frente como se estivesse apressado e nada acontecesse. Sugestões longevas e informais de prudência advertiam-me que o ideal era agir assim mesmo. Ele e ela que se acertassem. Se a briga chegou àquele nível, eles já sabiam como administrar, já conheciam suficientemente os defeitos um do outro. Ao chegar em casa, comecei a ler “A República”, de Platão. Pura coincidência, mas o livro me deixou pensativo, me fez questionar noções defendidas de justiça. O texto anterior já havia acabado comigo nesse sentido, em relação ao amor, mas... E em relação ao ódio?

Como todos sabem, o livro é escrito de forma dialogística, de maneira que argumentos falsos são expostos como se fossem corretos (e em primeira pessoa), a fim de que o leitor/interlocutor chegasse às conclusões mais sensatas mediante a consideração de diversos pontos de vista sob um dado assunto. Em dado momento, portanto, é afirmado que as pessoas injustas são mais inteligentes que as alegadamente justas. Tal qual aconteceu com muitos antes e depois de mim, fiquei chocado com tal afirmação, mas entendi o contexto em que a mesma foi apresentada. Todos têm o direito de terem razão por alguns instantes!

Quem acompanhou as atividades escritas deste ‘blog’ na madrugada de hoje está percebendo que esta postagem não apresenta os mesmos fatos que antes. Porém, os argumentos permanecem iguais. E são eles que me interessam aqui. Era sobre eles que eu desejava tratar, sem que com isso considerasse o assunto necessariamente “infeliz” ou atentasse para a gravidade (ingênua?) de alguns detalhes previamente expostos. Os mesmos não vêm ao caso agora. Vivemos em sociedade, como bem asseverou Trasímaco, interlocutor de Sócrates, e como tal, temos que obedecer a algumas leis que a regem, por mais que isso vá de encontro a nossas preferências pessoais, visto que o consumo de algumas substâncias prazenteiras é considerado ilegal ou a prática de algumas taras sexuais é passível de criminalização hedionda. “É o preço que se paga”, diriam os mais céticos. À medida que envelheço, parece que aceito cada vez melhor este preço. E não duvido que o casal de ontem esteja harmonioso hoje, mas isto não me vem ao caso agora: a vida deles é deles, a minha é pública!

Wesley PC>

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