segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

“EU DEI A MEU AMOR UM FRANGO SEM OSSOS”...


Recentemente, eu tachei o diretor Frank Capra de “hipócrita” num texto clemente sobre aquela que talvez seja a sua obra-prima, “A Felicidade Não Se Compra” (1946). Ao conversar com alguns amigos virtuais espanhóis sobre ele, fui convencido de que, ao invés de ter escrito “hipócrita”, deveria ter escrito “feliz”. Afinal de contas, mais do que qualquer outro cineasta vivo até 1991, o mais norte-americano dos italianos não fez outra coisa senão mostrar que as pessoas poderiam ser felizes. Mesmo que, para tal, devessem servir-se de eufemismos tão extremos que mentiras converter-se-iam em “ilusões”. Isso foi o que percebi exatamente agora, ao ver seu último e mais estranho filme, o ótimo “Dama Por Um Dia” (1961), regravação contemporaneizada de um filme que ele próprio dirigira em 1933.

Na esquisitíssima trama do filme, um contrabandista de bebidas crê que sua sorte nos negócios ilegais advém dos contatos eventuais que trava com uma mendiga bêbada que lhe vende maçãs. Ele é vivido por Glenn Ford, célebre por seus papéis de gângster na era de ouro hollywoodiana. Ela é interpretada por Bette Davis, eterna megera injustiçada e imperiosa dama do cinema norte-americano. 5 minutos de filme e a hipercodificação advinda do reconhecimento destes astros facilitam a apreensão do filme. Algum tempo decorre e descobrimos que a mendiga possui uma filha rica vivendo na Espanha e que a mesma a visitará em breve. A fim de que a mesma não descubra que sua mãe é paupérrima e miserável, um complô arriscado proposto por uma protegida órfã do contrabandista fará com que a mendiga se hospede num dos mais caros hotéis de Nova York e sem-teto pernetas sejam convertidos em posudos tocadores de acordeom. E isto é apenas o começo de 136 minutos de completa inversão dos ditames classistas de Hollywood: Frank Capra chega a ser subversor com este filme! Logo ele...

Não sei se será de bom tom pré-natalino estender-me nas diversas reviravoltas e imbricações morais a que este filme se submete, mas... Fiquei absolutamente perplexo com o discurso difícil de ser interpretado de forma maniqueísta que foi conduzido por este ferrenho defensor da democracia oportunista que atende pelo nome de batismo Francesco Rosario Capra. À medida que o filme se aproximava de seu final, mais eu me agoniava diante da completa (im)possibilidade de um “final feliz”. Como uma típica fábula de dezembro poderia terminar de maneira otimista quando seus personagens queimam as axilas de outrem, são perseguidos pela polícia por, entre outras atividades, seqüestrar repórteres, e agem de forma muito libertina em relação aos costumes sexuais da época? Não conseguia encontrar resposta e, receio dizer, continuei sem a encontrar após a conclusão do filme. Porém, aceito agora de muito bom grado a correção que meus amigos virtuais espanhóis me fizeram: Frank Capra é um gênio! E, se por um momento eu enganei-me acerca dos significados inter-relacionados dos termos “hipócrita” e “feliz” é porque talvez eu seja mesmo um invejoso. Tenho mais é que ter cuidado com o que penso do mundo!

Wesley PC>

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