domingo, 23 de agosto de 2009

“SENTINDO FOME, APERTA A BARRIGA COM UMA CINTA-LIGA COMPRADA NA C&A”


Apesar de “Che – O Argentino” (2008, de Steven Soderbergh) encerrar-se coma belíssima execução de “Fusil Contra Fusil”, do músico Sílvio Rodríguez, creio que este trecho de “Natasha Orloff”, do Textículos de Mary, justifique melhor a minha problemática recepção do filme. Tudo bem que o protagonista Benício Del Toro está majestoso como o protagonista, não se deixando levar pela imponência do personagem, dosando-o bem com suas nuanças humanas, e que a direção acerta ao impor sobre a narrativa bélica um aspecto frio, realista, quase documental (se desconsiderássemos as posturas ideológicas do mesmo), mas é muito estranho ver o personagem principal conclamando contra “o imperialismo norte-americano” de 10 em 10 minutos e, ainda assim, saber que o filme foi produzido com capital deste País. Licença cultural, diriam alguns. Eu não caio nesta! Se o filme é bom ou ruim, pouco importa frente aos problemas crassos que ele não consegue resolver – e nem conseguiria se o quisesse efetivamente, diga-se de passagem.

Esta primeira parte do épico com mais de 4 horas sobre o comandante argentino da Revolução Cubana vai direto ao ponto: é batalha sobre batalha, até o fim da guerra, início da revolução. O maior problema é que, ao invés de uma linearidade supostamente “perdoável”, o roteiro inevitavelmente delicado de Peter Buchman [responsável, no passado, pelo guião de “Jurassic Park III” (2001, de Joe Johnston), olha só!] afoba-se ao misturar os eventos do filme em três épocas distintas e simultaneamente apresentadas: os primórdios organizacionais do que seria a guerrilha revolucionária, as atividades da mesma, e uma visita de Ernesto Guevara aos EUA, data de 1964. Nesse sentido, para além da fecundidade do filme enquanto mantenedora do ‘status’ simbólico do personagem, três cenas ficaram cravadas em minha memória, exigindo maior atenção crítico-moral:

1- Em dado momento, presenciamos Ernesto “Che” Guevara, médico de formação, atendendo a vários populares molestados pela opressão capitalista. “Tu estás trabalhando demais e se alimentando de menos”, conclui o doutro ao final de uma consulta. “Deves comer mais carne”, conselho que revolta a filha da paciente atendida: “ele diz isso para todos, mamãe!”. Fiz de conta que não liguei;

2- Noutro momento, um guerrilheiro simplório reclama que outro, mais experiente, fica pronunciando “palavras feias” sempre que passa por ele. “Que palavras feias?”, pergunta Ernesto. “Ello está a llamarme ‘veinte culo loco’, señor comandante”, reclama o rapaz. Ernesto, então, chama o acusado, que, entre sorrisos, explica: “te chamava de ventríloquo, homem! Isto é um elogio para a sua dedicação como mensageiro”. E, empunhando sua enorme arma, dá um tapinha no ombro do rapaz e complemente: “isso é um gesto de carinho!”. Ok;

3- Noutro momento, em meio à entrevista que concede desde que o filme se inicia, a personagem de Julia Ormond pergunta ao protagonista se ele se sentiu rebaixado quando Fidel Castro (Demián Bichir) o rebaixou, numa dada empreitada. A resposta desistente do revolucionário foi: “é mais fácil enfrentar um soldado do que uma jornalista”. Minha posição espectatorial, enquanto diplomado em Comunicação Social, deve ser óbvia, não é não?

É isso: o filme é bom sim, enquanto cinema, mas, enquanto arma política, é um tiro pela culatra apontado diretamente contra a epiderme de quem admira os feitos do personagem principal. Mesmo sem defender a luta armada, acho que eu sou um destes: gosto deveras do potencial administrativo da lendária figura real. Por isso, enquanto a segunda parte do projeto soderberghiano não chega ao Brasil, recomendo cuidado, muito cuidado!

Wesley PC>

Um comentário:

Unknown disse...

Natasha Orloff, um clássico!

Irei algum dia assistir a este filme. Admiro o ícone Ernesto Guevara. Acho ele o oposto dos que se dizem revolucionários hoje em dia. Revolução é um cadáver, que morreu junto com "Che" Guevara.