Qualquer pessoa com um infinitésimo de contato burocrático deve imaginar que as expressões
“o dia em que entregamos os diplomas de Medicina” e
“o dia em que diplomados de qualquer curso podem solicitar disciplinas de Direito” são dois dos dias em que os trabalhadores do DAA mais penam. E se eu disser que hoje calhou de ser o dia simultâneo para ambas as expressões? Dá para imaginar como eu me sinto agora?
Pois bem, por sorte, dispus de uma folga vespertina e pude resolver meus problemas com o recadastramento da carteira de passe. Encontrei uma menina linda e apaixonante num ‘shopping center’ e passamos uma linda tarde juntos. Tomamos iogurte de graviola, agarramo-nos num banheiro, despedimo-nos. Fui visitado por um amigo engraçado, encontrei inúmeros outros amigos no caminho para casa e resolvi ouvir a um álbum do mestre John Lennon. Por coincidência, quando eu ouvia a obra-prima “Working Class hero” (
é sobre mim?), aconteceu o evento que mudaria minha noite e me faria desistir de escrever tudo o que eu tinha planejado o restante do dia...
“Keep you doped with religion and sex and TV
And you think you're so clever and classless and free
But you're still fucking peasants as far as I can see
A working class hero is something to be”Quando eu começava a prestar atenção na magnífica letra deste petardo sonoro, percebo um cachorro branco e bonito na rua e um carro veloz indo em sua direção. Esperei o pior e o pior aconteceu: o cachorro não somente foi atropelado diante de meus olhos, como eu o vi minuciosamente ser tragado pelas rodas do automóvel, girar em círculos enquanto seu esqueleto era triturado. O pior: quando eu vejo ser largado inerte, ansiei, impotentemente, que ele já estivesse morto, que não tivesse sentido tanta dor. Aproximo-me e vejo seus olhos arregalados e boca aberta somarem-se a involuntárias e letais contorções. Tirei o fone do ouvido e sofri.
Nada pude fazer diante da morte! Em dado momento da tarde de hoje, conversei com um amigo erudito sobre a obra do pós-‘beatnik’ J. G. Ballard e expliquei-lhe o motivo de eu nunca ter tido coragem de ler seu livro mais famoso, “Crash – Estranhos Prazeres”, publicado em 1973 e mais tarde levado ao cinema por David Cronenberg: a obsessão do autor-escritor-narrador em descrever em detalhes como os personagens faziam para atropelar cachorros. Por causa da extrema violência e injustiça destes detalhes, nunca consegui passar da centésima página deste livro. Acho que agora devo. Vi a morte mais uma vez – e foi horrível!
Recomeço:
“Capítulo 1: ‘Vaughan morreu ontem, em seu último acidente de carro. Durante a nossa amizade, ele ensaiara sua morte em muitos acidentes, mas este foi o único verdadeiro’”...PS: alguém sabia que, em 20 de abril deste ano, este gênio perverso morreu de câncer de próstata? Eu não...
Wesley PC>
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