quinta-feira, 30 de julho de 2009

EU TENTEI NÃO JULGAR...


Não sei nem por onde começar as minhas observações sobre o filme “Garapa” (2008), visto na noite de ontem. São tantos os atropelos e erros que acho por bem utilizar todos os começos:

1. Vários amigos meus elogiaram este filme, ao terem a oportunidade de vê-lo antes de mim. Um deles, inclusive, confessou que saiu da sessão chorando. Eu gostei muito de “Ônibus 174” (2002), cuja duração tão larga quando deve ter sido o inferno real me incomodou deveras, e achei “Tropa de Elite” (2007) simplesmente extraordinário. Sou daqueles que se renderam à polemica opção de achar o filme ótimo. Porém, sentia que o diretor José Padilha era um mau caráter. Sabia que, apesar de ser um excelente pesquisador e um competente diretor, não tardaria o momento em que ele cometeria erros cavalares. Ao saber da sinopse do documentário ora comentado – a fome em alguns rincões do Ceará – tive certeza de que o momento havia chegado. Entretanto, tamanhos foram os elogios de gente confiável que fui conferir o filme de peito aberto. Tencionava gostar, mas, tendo em minha história pessoal de vida alguns relatos brandos de privação alimentícia e proto-mendicância, temia um relato oportunista e tendencioso do tema. Foi o que encontrei. Merda!

2. À medida que fui aprimorando o meu gosto por Cinema, percebi a similaridade entre o conceito técnico de direção de fotografia e a noção de beleza. Lembro que, por várias vezes, confabulava com amigos acerca do que seria uma direção de fotografia ruim. Para além de eu ter obtido ou não exemplos precisos até então, “Garapa” ostenta algumas das piores opções fotográficas com que já tive o desprazer moral de entrar em contato. Nunca um preto-e-branco foi tão cruelmente desnecessário, poucas vezes o uso da técnica foi tão deletério! Para além de estar diante de pessoas reais, de seres que sofrem, a equipe técnica do filme apenas se limitava a testar possibilidades de enquadramento. Parece uma aula técnica de cinema, explicando mecanicamente o que é um ‘plongée’, um ‘travelling’, um ‘close-up’... E, enquanto isso, o tema fugia do escopo do cineasta. Merda!

3. Não sabia se tinha mais raiva do marido de uma senhora com 3 filhos, que vendia até mesmo as carteirinhas de passe escolar da filha para comprar cachaça, da esposa dele que consentia com tal situação ou do cineasta que se divertia e vislumbrava prêmios com tal exposição da miséria alheia. Em dado momento, uma assistente social odiável comete o disparate de “não saber como dar alguma orientação” diante da ausência de leite na residência de uma dada personagem real. Agonizava sempre que via uma camponesa preparar água quente com açúcar para dar a seus filhos! Aterrorizai-me diante das imagens de uma criança com todos os dentes lancinantemente cariados e o corpo coberto de perebas. Moscas sobrevoavam quase todos os planos, de maneira que o som de seus vôos era altissonante. Não confiei no diretor. Com certeza, a realidade foi manipulada à sua revelia neste filme. Diante da montagem paralela execrável de uma das cenas iniciais, ouvi alguém na platéia perguntar se era mesmo um documentário. Era. De péssima qualidade. Não dá mais confiar neste gênero depois de uma pungente declaração de ‘mea culpa’ do cineasta João Moreira Salles. Merda!

4. Para piorar a minha situação de desconforto (não sabia o que mais me doía: se a realidade apresentada, cruel e irresolvível em virtude do desleixo das pessoas envolvidas, ou a pretensão maquinal do cineasta), interromperam a sessão antes do final, antes dos créditos. Fomos em bando reclamar à gerência do cinema o ocorrido. A raiva crescia. Ao menos, um aspecto importantíssimo e positivo deve ser atribuído ao filme: quando o cineasta interroga o porquê de as pessoas retratadas continuarem copulando e se reproduzindo na extrema miséria. O depoimento ignorante (em todos os sentidos da palavra, incluindo os justificados) de uma mulher que não sabia sequer a idade e que já possuía 11 filhos é o supra-sumo da impossibilidade de melhoria de tal situação. Não há espaço para esperança neste mundo! Merda?

5. Tenho uma irmã evangélica que tem 7 filhos (e contando) e vive numa casa mui semelhante àquelas mostradas no filme: péssimas condições de higiene, crianças amontoadas por todos os lugares, brigas entre marido e mulher todo o tempo, filhos indiferentes. Tinha um certo nojo de beber água naquele local. Conheço de perto algumas das situações mostradas no filme. Tive uma infância pobre num local pobre. Com todos os problemas e irritações, “Garapa” ainda é um filme que deve ser visto e discutido e criticado e debatido e corrigido, na prática. Deixo, portanto, a sugestão e aguardo respostas...

Wesley PC>

4 comentários:

Debs Cruz disse...

Tá no cinema?
Eu quero assistir...

Pseudokane3 disse...

Sim, está!

Poucas sessões, mas está!

Chama o Fábio, que estava deveras interessado!

WPC>

. disse...

Eu assisti e gostei.
Não tenho tanto acumulo de entendimento sobre cinema e formas de filmagem quanto você, mas ao menos me tocou.A mim e um amigo que me acompanhou.Acho que o importante a ser discutido sobre esse documentario é não só a pobreza em si e a fome, mas a falta de informação das pessoas ( que acham que ant-concepcional não funciona pq a vizinha disse) e a falta de perspectiva das crianças que só tendem a se reproduzir e continuar em petição de miséria. Ou seja educação e formas de criar oportunidades para as pessoas!

Gomorra disse...

Nisso eu concordo fortemente! Para mim, o grande mérito do filme foi ter mostrado/inquirido diretamente as pessoas acerca de sua proliferãção. Aquele sorriso constrangido de uma das mulheres (a que se casa com o bêbado) na sala da assistente social é terrível... Terrível!

Repito a frase: o filme MERECE discussão, mesmo que, para mim, ele seja formalmente deletério!

WPC>