quinta-feira, 25 de junho de 2009

SAMBA DE CÔCO NO MOSQUEIRO: MANIFESTAÇÃO-SURPRESA DA ANTROPOLOGIA SUBJETIVA

Era um dia periférico de São João como qualquer outro: era obrigado a suportar a avalanche altissonante de canções abomináveis de Cavaleiros do Forró, Aviões do Forró, Saia Rodada e outras manifestações satânicas do subgênero. De repente, recebo um telefonema: uma grande amiga convida-me para acompanhá-la num evento popular no Mosqueiro. Aceito após titubear alguns segundos. Fiquei muito mais feliz e inteligente ao tomar tal decisão!Chegamos ao local do evento por volta das 16h30’. Uma procissão de pessoas cantando freneticamente tomava uma estrada de barro. Estas se dirigiam a um prado aberto, onde tencionavam encontrar um tronco arbóreo que pudesse servir de mastro entretenedor para uma festa típica noturna. Por mais que o ritual seguisse à risca a definição clássica de cultura popular (“aquela que é produzida e consumida pelo próprio povo”), era impressionante a quantidade de pessoas externas àquela comunidade, registrando fotográfica ou videograficamente o evento, seduzidas por estarem diante de um legítimo foco de resistência cultural. Na procissão, um menino da localidade vestia uma camisa com o logotipo “rock forever”, outros garotos comparavam animais chifrudos encontrados no caminho a supostos maridos traídos entre eles e tachavam de “viados” quem tinha medo dos bois ou hesitava em carregar o pesado mastro. Eu, por minha vez, que pratico atividades homoeróticas com certa freqüência, não tenho o menor problema em ser vítima de adultérios e levo a sério a vinculação entre indumentária e ideologia, sou cercado por um grupo de crianças, que me chamam, graciosamente, de “vaqueiro da Caueira”. Motivo: vestia uma calça ‘jeans’ desbotada, uma camisa de linho verde e um colete de couro sintético por cima. Senti-me integrado desde então à festa. Sabia que ia me divertir dali por diante...
Andamos um pouco mais. A cantoria desenfreada volta. Pessoas de todas as idades dançavam pelas ruas. Alguns homens cavam um buraco no chão e enfiam o tronco arbóreo. Atam a este mastro algumas laranjas, milhos, goiabadas, latas de sardinhas e uma caixa de fósforos contendo um valor em dinheiro. Descansam um pouco. Eram 17h. A festa de verdade iria começar após a novena religiosa das 19h30’! Nesse entretempo, interagi com algumas pessoas: acompanhei um diálogo entre minha amiga e alguns moradores do local. Com todo o seu saber universitário e algumas preocupações de cunho sociológico, ela fazia previsões preocupantes sobre o futuro daquele tipo de celebração, que periga ser territorialmente desapropriada pelo Estado. Ela falava com as pessoas como se eles fossem objetos de um estudo antropológico. Não era culpa dela, nem era uma atitude má intencionada, mas a situação era de fato preocupante – e todos sabem que preocupações foram a base do Holocausto Judeu e da invasão das tropas norte-americanas ao Iraque, para ficar em exemplos gerais. Mas voltemos à festa:Às 19h30’ em ponto, os celebrantes da novena religiosa de São João chegam à igrejinha. Cantam num misto de latim com português orações básicas do catolicismo, que logo cedem espaço a orações em ritmo de samba de côco. Do lado de fora, a fogueira era acesa. O mastro cai. Crianças se estapeiam para buscar as laranjas, os milhos, as goiabadas, as latas de sardinha e, principalmente, a caixa de fósforos com dinheiro. O Capitalismo chega aos confins do mundo, já previra Karl Marx com outras palavras!
Mas a festa ficava cada vez mais e mais divertida. E mais e mais conhecidos da UFS chegavam ao local. Trocamos abraços e entramos na roda. Num momento de descanso, sou interpelado por uma habitante do local, que disse que “eu dançava de forma divertida”. Fiquei todo orgulhoso, pois ela acrescentou que a função do evento é esta mesmo: divertir. Dancei ainda mais freneticamente depois deste panegírico popular tão genuíno. Uma equipe de TV a cabo chega para registrar o evento. Ao invés de consumirem o licor distribuído gratuitamente pelos festivos (e que era apelidado de “meladinha”), eles bebericaram vinho em taças vítreas que trouxeram consigo. Achei estapafúrdia tal demonstração de boçalidade, mas queria mais é me divertir, integrar-me a um legítimo reduto de cultura popular. Desdenhei, ignorei os energúmenos midiáticos. Deixei de exercer a antropologia e me confundi com o povo. Foi lindo. Um dos melhores e mais surpreendentes eventos juninos de toda a minha vida! Wesley PC>

2 comentários:

. disse...

Ainda bem que resistem essas manifestações culturais!Passei o dia em casa fugindo dos forrós! hahaha

Beijão meu bem :*

Fagote da Batalha Lopes disse...

Ô nego que Sao Joao invejavel. Você viveu o sentimento que eu vivo toda vez que eu vou pra uma festa em Batalha: eu sempre participo assombrado pela dualidade aproveitar/analisar. E como você a minha tentativa é sempre viver o momento pra só depois analisar. Pena que varios habitos meus nao permitem que eu atinja meu objetivo. Mas quem vive sem dualidades?
Dessa forma como todo amor, dúbio também é meu amor por minha terra