quinta-feira, 4 de junho de 2009

L’INTERNAZIONALE SOCIALISTA IN ITALIANO

Um dos principais efeitos colaterais da ingestão prolongada de drágeas de polivitamínicos é a instauração necessária de um estado soporífero que se pretende repositivo das condições ativas do indivíduo carente de substâncias orgânicas básicas e sustentaculares. Estou a ingerir uma dada marca de polivítaminico esta semana (Cobaldoze) e, portanto, talvez esteja dormindo mais do que eu deseje – e, ainda assim, abaixo da quota sugerida pelos livros escolares. Conclusão: acordei demasiado tarde (9h) nesta quinta-feira em que folgo e tenho disponibilidade temporal para ver bons filmes em minha própria casa. Pós-conclusão: tive que buscar uma película de curta duração. Pós-pós-conclusão: acabo de ver “Lutas na Itália” (1970), dirigido pelo grupo revolucionário Dziga Vertov, ou seja, Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin experimentando os virtuosismos da autoria coletiva. O que achei do filme? Vamos lá a uma breve reflexão sobre o mesmo:

Em primeiro lugar, “Lutas na Itália” não se prende ao local em que foi filmado. Falado em italiano e preocupando-se sobremaneira com as condições trabalhistas dos inúmeros operários daquele País, o filme dispõe-se a analisar conceitos libertários e ideológicos universais, ao tempo em que amplia a sua mensagem e focaliza a necessidade de transformação da vida cotidiana que irremediavelmente deve acompanhar as supostas práticas libertárias de um indivíduo pretensamente esclarecido. Como todos sabem, este filme pertence à fase desconstrutiva e contra-revisionista (leia-se: maoísta primária) daquele que talvez seja o meu cineasta favorito, fase esta em que ele rompe ostensivamente com os padrões cinematográficos tradicionalmente narrativos e investe numa luta radical contra o pólo que ele considera inferior na contradição idealismo X dialética.

Assim sendo, o filme ora comentado compõe-se de uma série de pequenos esquetes em que as noções de “realidade”, “família”, “universidade” e “sexo” são analisadas mediante o pensamento político revolucionário, em que as propostas teoréticas de Louis Althusser sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado ocupam um lugar de destaque, em especial no que se refere à importância efetiva do processo de interpelação midiática na transmissão de ideológicas dominantes e opressivas. Sendo assim, é deveras interessante que, num capítulo que tenciona discutir sobre o conceito de “realidade”, vejamos a protagonista militante do filme a comprar uma simples camisa, que custa uma quantidade demasiada de liras. Quando perguntada sobre o porquê deste valor elevado, a vendedora responde que o mesmo está levando em consideração o trabalho embutido na fabricação da peça de roupa (cujo diferencial monetário, obviamente, nem de longe irá retornar para os bolsos dos operários responsáveis pela tessitura da mesma). No plano seguinte, a vendedora da camisa é repreendida por seu patrão, dado que estava a conversar com sua cliente sobre os interessantes livros que esta última carregava quando entrara na loja. No plano seguinte, vemos a filmagem aproximada de mãos que manipulam uma caixa registradora. Discurso mais direto e efetivo que este será difícil de igualar!

Depois de apresentados estes conceitos, a segunda parte do filme se pretende assumidamente reflexiva (tal qual fora a fase inicial das obras-primas do diretor Jean-Luc Godard) e mostra-nos situações íntimas mais complexas, como um casal que se auto-interroga sobre o que são (“a cópia de duas unidades unidas num conflito contra a cópia da ideologia burguesa”), sobre o caráter reacionário do privilégio de fazer sexo ao meio-dia (algo que é negado aos trabalhadores obrigados a passarem a maior parte de seus dias nos locais de trabalho) e sobre o quão difícil é criar um filho sem se deixar impregnar pelos preconceitos ideológico-burgueses da noção problemática de família. Daí por diante, portanto, os diretores do filme investirão num recurso que é tanto estético-militante quanto didático: a repetição contestatória. Várias e várias vezes no restante do filme, conceituações anteriormente apresentadas e cenas já vistas serão reapresentadas sob um novo prisma, sob critérios mais amplos no plano ativista, como a admissão que “a teoria em si já é uma prática militante (que não se basta quando chafurda na inatividade)”, que as ciências e práticas humanas mais amplas são regidas pela contradição (ou seja, “Mecânica = contradição entre ação e reação”, “Física = contradição entre eletricidade negativa e positiva”, “Química = contradição entre aglutinamento e separação de átomos”, etc.) e que a consciência da luta de classes e a necessidade de autotransformação são condições essenciais para a posta em cena do aprendizado revolucionário, em que a importância discursiva dos espaços negros na tela é de vital importância. Mais do que um filme, portanto, “Lutas na Itália” é uma aula de verdadeiro ativismo. Recomendadíssimo!

Wesley PC>

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