sábado, 23 de maio de 2009

BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE O PAPEL DO TRABALHO NOS FILMES DE DAVID MAMET


O norte-americano David Mamet é um teatrólogo que eventualmente se aventura por direção e roteiro cinematográficos. Quando assim o faz, ficamos satisfeitos em receber pungentes observações sobre o quão nossas vocações, aptidões ou obrigações profissionais interferem até mesmo nos pequenos detalhes de nossa vida cotidiana. Seja em ótimos filmes como “A Trapaça” (1997) ou “O Cadete Winslow” (1999) ou em produções mais modestas, este cineasta contido renova temas caros a Howard Hawks ou Bertrand Tavernier, interrogando-nos acerca de dilemas como “o quanto a formação advocatícia de uma pessoa interfere no modo como alguém faz cocô?” ou “uma promoção empegatícia faz com que fizemos mais ou menos apaixonado por outrem?”. Garanto que ele responde mui sutil e brilhantemente a tais questões. Mas, por que eu lembrei de David Mamet agora?

Respondo: sexta-feira é o dia em que sinto mais desconforto no local em que trabalho, visto que, não obstante não dispor de muito tempo de sono em virtude das diversões cinefílicas da madrugada anterior, incomodo-me com a modorra de meus afazeres, dado que não são muitas as pessoas agradáveis que visitam setores burocráticos em tardes e noites de sexta-feira. Porém, na noite de ontem, recebo uma surpresa no trabalho, a visita de um jovem que passou a estagiar numa grande empresa recentemente e, com isso, vivencia um cansaço intenso, de maneira que ela se sente tentada a atenuar a euforia que a torna muito característica. Disse eu para ela: “independente de nós abusarmos ou não de nossa necessária vida pessoal, nos sentiremos cansados por causa da pôrra do trabalho. Então, que se dane! Fodamos a madrugada toda, esta merda!”. Ela concordou.

O que me traz de volta a um filme do David Mamet: em “As Coisas Mudam” (1988), um pacato sapateiro é contratado para assumir as responsabilidades pelos crimes de um mafioso, com quem muito se parece, comprometendo-se assim a passar alguns anos na prisão, em troca de uma larga compensação financeira. Nos dias em que transita pelos ambientes caros ao mafioso, porém, este sapateiro conhecerá pessoas submissas, redescobrirá o amor, esquecerá de que é um homem solitário. Em troca, acrescentará preciosas lições de vida a um contexto de extensão familiar em que a rigidez moral é uma condição ‘sine qua non’. Não lembro em detalhes do que acontece a seguir, mas o filme é muito engraçado e emocionante, sendo a frase-título explicado de maneira brilhante: tentando agradar à moça da roleta de um cassino por quem se sentira atraído, o simpático protagonista (vivido pelo velhinho Don Ameche) aposta enormes quantidades de dinheiro. Ganha bastante numa rodada, na seguinte, ele perde tudo. Alguém o interroga: “como tu podes estar tão tranqüilo após perder este dinheiro todo?”. Ele só responde, cheio de razão: “as coisas mudam”!

Pois é, as coisas mudam – e, enquanto o muso de minha existência gozará de folga e disponibilidade nesta tarde de segunda-feira, eu trabalharei, submisso à modorra de meus dias institucionais. Algumas coisas talvez não mudem tanto assim...

Wesley PC>

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