domingo, 12 de abril de 2009

COMO SE EU FOSSE UM COLEGIAL NOVAMENTE...


Ontem à noite, quando entravamos na UFS para prestigiarmos a modorra que atendeu pelo nome de Encontro Regional de Estudantes de Direito e Serviço Social, o gigantesco ex-militar Max Vieira zombou da fascinação do núcleo ‘gay’ de Gomorra por alguns musicais sobre colégios norte-americanos. Segundo Max, ele nunca entrou na escola dançando, algo que eu posso atestar, visto que conheço as regras de entrada da escola pública em que ele estudou, pois meu passado estudantil também foi construído lá (Escola Glorita Portugal, no Conjunto Eduardo Gomes). Para entrar na escola, ficávamos separados por sexo numa fila bifásica, até que a sirene indicava a que horários os vigilantes deveriam abrir os portões. Não havia espaço para música centrífuga.

Por uma coincidência abissal, quando chego em casa na tarde de domingo e ligo a TV, deparo-me justamente com um destes filmes colegiais brasileiros, “Podecrer!” (2007), dirigido por Arthur Fontes, cineasta/publicitário que se mostrara razoavelmente talentoso num filme em episódios baseados em Nelson Rodrigues, mas que redunda na mediocridade neste filme repleto de preconceitos pequeno-burgueses. Talvez nosso estimado Rafael Coelho pudesse curtir um pouco a produção, no sentido de que a protagonista apaixonada se chama Carol, “You Don’t Know Me” (uma de suas canções favoritas), do Caetano Veloso, é executada num importante momento da trilha sonora e, para sorte de nosso amigo festivo, ele consegue se divertir em contextos que beiram a frugalidade narrativa. Mas, fora isso, o filme é abominável: segundo vemos num crédito inicial, a trama se passa em 1981, ano em que nasci. Referências insistentes a livros do Fernando Gabeira e filmes do Antonio Calmon são recorrentes no filme, como se os colegiais daquela época só consumissem cultura nacional. Na trilha sonora, além do já citado Caetano Veloso, encontramos clássicos de Tim Maia, Jorge Ben Jor, Rita Lee e Secos & Molhados (muitas das canções em inglês). Na trama, a graciosa filha de um exilado político chega da França para estudar num colégio fluminense, onde se apaixona por um moço cujo único objetivo de vida é tornar-se guitarrista, a despeito da perseguição empregatícia de sua mãe. Ela engravida e faz um aborto. Ele é quase expulso do colégio por misturar maconha com leite condensado no laboratório de Química do colégio. Alguém sentiu falta da proto-novela juvenil “Malhação”, exibida lamentável e diariamente pela Rede Globo de Televisão?

O que mais me deixou chateado ao forçar-me a assistir a este filme até o final (meu irmão estava impaciente para ver um jogo de futebol noutro canal) foi a incapacidade de seus produtores em perceberem o quanto o tema poderia ser rentável do ponto de vista comercial, dada a abrangência infindável do público-alvo do filme. Ao invés de acompanhar as tendências hiper-comunicativas dos jovens brasileiros ou preocupar-se com o aprimoramento cultural e referencial dos mesmos, o roteiro do filme prefere divertir-se às custas do que parecem ser memórias banais dos envolvidos na produção, em que a submissão inevitável à Babilônia (entendida como gíria para o sistema capitalista dominante) é enxergada como prontamente esperável e as piadinhas envolvendo o consumo indiscriminado de cânhamo (em detrimento de como o mesmo é adquirido) e a indefinição das vantagens da classe média (que pode se dar ao luxo de reclamar de ter comprado papel para baseados na Disneylândia) são largamente dispensáveis, apesar de sua insistência em povoarem a tela. A seqüência de alucinação em que o inspetor do colégio imagina nadadoras como sendo pequenos demônios femininos quando está sob o efeito acidental do THC é particularmente sofrível e violentamente distante do que pretende ser a realidade estudantil brasileira, mesmo num contexto aquisitivo mais elevado, mesmo que num contexto etário rigorosamente definido. É por estas e outras que, ao contrário do que ocorre nos EUA, pessoas como eu e Max Vieira continuaremos a nos lembrar como impedidos de entrar cantarolando na escola... E esta é a menor das reclamações que podemos esboçar acerca de nossas vidas estudantis!

Por falar nisso, na referida festa universitária e modorrenta de que falei no inicio do texto, aconteceu algo que eu não percebia há tempos: a homofobia barata e gratuita. Passeando sozinho pela quadra polidesportiva em que se desenrolava o evento, fui surpreendido por um grupo de jovens que me chamavam de “Cazuza” e “viado” à distância, em tom não somente zombeteiro como ameaçador. Confesso que, noutra situação, sentiria orgulho de ambos os chamamentos, mas, ontem à noite, sabendo que aqueles jovens eram moradores do mesmo conjunto residencial que eu, partidários da violência gratuita (ou, no caso, direcionada) e continuamente entorpecidos por inúmeras substâncias analépticas, senti medo, um medo tão forte e real quanto não sentia há meses! Como meus amigos mais próximos estavam distantes de mim, tentei refugiar-me no igualmente supracitado Max Vieira, que, sem o saber, era amigo de adolescência dos projetos fascistas de humanos, mas um mal-estar perdurava: como tocar no assunto sem que a situação ficasse constrangedora para qualquer um dos envolvidos? Alguns minutos depois, os jovens preconceituosos entraram na quadra e compartilharam o mesmo espaço de diversão que eu e alguns companheiros (inclusive, uma ex-freira com quem tive uma espécie de caso romântico). O que fazer numa situação destas? Cantar e dançar talvez não fossem as melhores opções...

Wesley PC>

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