quarta-feira, 8 de abril de 2009

“COM O MENTIROSO, VEM O LADRÃO”...


Depois de muito tempo de recusa injusta (apesar dos elogios de Charlisson), vi “Ray” (2004), cinebiografia do músico Ray Charles, dirigida pelo artesão hollywoodiano Taylor Hackford. Não obstante ter gostado muito do filme, há que se ressaltar aqui um problema típico deste gênero de filmes: o moralismo reabilitativo. Ou seja, a forçação de barra no que se refere ao vício em heroína do cantor, que o dividia entre a paixão legitima pela música e sua incontrolável aptidão para a fornicação com mulheres – forçação de barra esta que se justifica pelo fato de o roteiro do filme ser parcialmente baseado nas memórias do filho do artista, além de ser acompanhado de perto pelo próprio Ray Charles, que morreu no ano em que a produção estava sendo rodada, aos 74 anos de idade.

Para além de todo o discurso antidrogas do filme (que só está sendo aqui discriminado por desprender-se de suas funções biográficas para se tornar um pseudo-leitmotif moralista e comercializável), o filme acerta ao dedicar boa parte de seus 152 minutos de projeção às músicas do cantor, as quais eu não conhecia profundamente e das quais me tornei obviamente fã. Dentre as faixas mais conhecidas executadas no filme estão as célebres “What I’d Say”, “Hit the Road, Jack”, “What Kind of man Are You?”, “I Can’t Stop Loving You” e a icônica “Geórgia on My Mind”, mas a minha preferida mesmo é “Born to Lose” (composta por Ted Daffan), cujo refrão diz:


“Nascido para perder, eu vivi a minha vida em vão
Cada sonho somente me trouxe a dor
Toda a minha vida eu fui tão triste
Nasci para perder e agora estou perdendo a ti”


De resto, o filme mostra como o artista não se deixou levar pela cegueira, como escutou oportunamente alguns dos conselhos de sua mãe, como lidou com o trauma de ter presenciado o afogamento de seu irmão mais novo numa bacia de lavar roupas, como criticou seu pai por ter se dividido infielmente entre três famílias e terminou repetindo o mesmo erro, como decidiu se internar numa clínica de reabilitação e recusa-se até mesmo a tomar soro a fim de não entrar em contato com agulhas, como reconhecia se uma garota era bonita ou não, como aderiu à discreta luta anti-racista e como produziu sucessos que foram polêmicos pela mistura de estilos, como, por exemplo, o ‘gospel’ com o ‘rhythm’n’blues’. O ator que o interpreta, Jamie Foxx, ganhou um Oscar por sua minuciosa reprodução dos tiques do artista, comandados pelo próprio, quando ainda vivo, mas a interpretação é apenas correta. Nada que atrapalhe o saldo do filme, que é digno de ser visto por quem aprecia boa música. Recomendo, portanto!

Wesley PC>

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