segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Valter Di Lascio - Parte II


Encontrei num site uma entrevista de Valter Di Lascio realizada por um estudante de jornalismo de Fortaleza. Segue:

Como que você vê sua condição de poeta marginal? Acredita nesse estereótipo?

Quem colocou esse estereótipo não fui eu. “Ah, porque você dorme no terminal”. Durmo no terminal. Durmo no terminal porque eu não tenho grana porra, só por isso. Se tivesse grana, claro que eu não ia tá dormindo no terminal. Quero escrever, não tenho condições de escrever legal. Quero trabalhar não posso. Tô querendo estudar não posso. Como que eu vou estudar no terminal? Não tem condições. Tô querendo trabalhar num projeto que são contos, fiz alguns contos e tal, mas pô, não tem condições, porra. Eu mal durmo. Eu cochilo, não durmo... Isso é uma conseqüência da própria cultura oficial porra. Se os caras não têm o hábito de ler, como toda hora eu tô escutando: “não gosto de ler”, “vixe, tem que ler?”. Quer dizer, se as pessoas não gostam de ler, não vendo. Se não vendo, não tenho como me manter. Tenho que tá na rua. Que nem agora, quero ir embora pra Jeri. O que acontece? Passo a noite, o que eu consigo de grana? Consigo de grana pra chegar no terminal comer, comprar cigarro, o básico. De manhã faço a merenda, no terminal, lógico, óbvio e vou pra rua. Vou pra Universidade, fazer cópia... Enfim, vou fazer o que eu tenho pra fazer. O que me sobra no dia seguinte é a grana pra refazer o material, às vezes não dá nem para almoçar.

A tua poesia é de subsistência?

Total, total, total... Por mim eu não venderia dessa forma que eu vendo. Por mim eu venderia o produto final, ele completo, o livro. O livro com 130 poemas, ilustrado, do jeito que foi feito.

Como tu produz esses livretos?

É feito num computador a matriz. Eu pago pra fazer, amigo meu faz, o que tiver mais fácil no momento. Se tiver dinheiro eu mando fazer, porque é aquela coisa às vezes o cara pega dinheiro pra fazer, na maior boa intenção. Porém, no entanto, o cara estuda, o cara trabalha, o cara tem a vida dele. Eu não posso ficar no pé dele cobrando: “Porra, você já fez? Quando você me entrega?”. Pô, o cara tá fazendo de graça, na maior boa vontade, e eu ainda vou ficar pegando no pé? Não é legal. Tenho que pagar. Eu fui fazer agora o cara me cobrou 1,50 por página. Depois que eu mandei fazer o cara chegou pra mim: “Porra, por que tu não falou comigo?”. Como é que eu vou saber? Eu não vou ficar perguntando de um por um, “você pode fazer?”, “você pode fazer?”. Então é feita a matriz no computador, depois tirado xerox. Custeado por mim.

Quais os pontos que tu mais vende?

Não tem os pontos que eu mais vendo, são os únicos que eu vendo. É Universidade, Ponte Metálica e Dragão do Mar.

Existe alguma coibição no Dragão do Mar?

Existe. Eu não tenho autorização. Agora que a segurança tá pegando no pé. Cheguei de Jeri agora, preciso vender, eles não tão deixando. Só pode vender na praça, se não for na praça eles vêm pegar no pé. Só nos bancos, ali eu posso vender. Debaixo do planetário eu não posso, próximo do cinema eu não posso, debaixo da passarela eu não posso. São dependências do Dragão do Mar. Onde é o limite, onde termina o Dragão do Mar e onde começa? Não sei, aliás nem eles [seguranças] sabem, é ordem superior, é ordem do chefe... Eles não questionam nada.

O que você acha desse tipo de proibição em um ponto cultural?

Totalmente imbecil. Se eu não posso vender um livro num centro que se diz de arte e cultura, porque eu não tenho a suposta autorização, eu vou vender aonde? Porra, no show do Calcinha Preta? Ou no Castelão em dia de jogo Ceará e Fortaleza? Não tem cabimento porra, invés de ser proibido devia ser incentivado. Quando eu converso isso ai com turista, o cara fica dizendo: “Porra, não pode”, se espantam. Por que que não pode? Vai perguntar pra ele porra. Nêgo vende o cacete a quatro lá, mas tem autorização. Não sei que porra de autorização é essa. Pra botar um crachazinho no peito? Não tem cabimento porra...

A tua relação com Fortaleza é opressora?

Ah sim, me incomoda. Eu não agüento mais viver em cidade grande, isso também em outras cidades grandes. Eu não consigo mais viver nessa neura. Nos meus textos, tu vai ver que tem toda uma temática urbana. Eu não consigo me imaginar escrevendo cordel, seria uma violência, seria eu massacrar o cordel. Então as informações que eu trago são outras, são influências urbanas.

Já tentou desistir da poesia?

Não, não pensei.

Por quê?

Você já pensou em parar de respirar?

Não.

Então, é a mesma coisa. É uma coisa vital. Não dá mais, chegou num ponto que não tem mais volta, agora é só continuar, onde vai dar não sei. Pelo menos não vai ficar que nem a Ponte Metálica. Espero que não, porque a Ponte Metálica é uma ponte surrealista, é uma ponte que não vai pra lugar nenhum. E não é uma ponte na realidade, porque toda ponte implica que você saia de um ponto A para um ponto B. Tem início e fim. Tá ultrapassando um obstáculo, né? Essa ponte não, ela só começa, não termina. Pra mim é um negócio surreal isso aí. Então eu não quero que meu trabalho fique assim, também interrompido, então eu vou continuando... Essa ponte minha vai continuando, aonde vai chegar não sei e não tô preocupado. O que eu quero, que fique bem claro, é paz e sossego, me deixar trabalhar sossegado, só isso porra.

Você tem compromisso com que valores?

É uma coisa que eu venho me questionando há muito tempo. O que realmente é importante pra você?

Pra mim?

Pra você que eu digo pra todos. Pra você também. Pra você é importante terminar o curso de jornalismo, ter uma profissão... Não sei se você quer carro, casa na praia, cacete a quatro. O que eu quero? Não quero carro, não quero porra nenhuma, o que eu quero é trabalhar sossegado, ter um canto pra poder trabalhar, pra poder receber meus amigos, viver um pouco dignamente. Não passar fome como eu passo, não passar sede como eu passo e isso não quer dizer luxo entendeu, continuo com minha havaiana no pé. Não quero 10 calças como eu tinha antigamente, não quero uma porrada de livros, o livro pra mim é outro lance que eu mudei meu relacionamento com ele. O que que adianta está com uma estante com uma porrada de livros apodrecendo lá se eu já li. Então, se você me dá um livro, como já aconteceu e tem acontecido, então... se você tá me dando, não espere que ele fique na minha mão. Não vai ficar. Já li? Já absorvi? Eu passo pra frente, porque eu prefiro que ele passe pra frente do que fique parado na estante. Quantas pessoas estão sendo privadas de ler enquanto ele tá privado na estante? Pessoas que não têm condições de comprar o livro. Isso é com tudo. Eu tô cada vez mais querendo o mínimo.
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postado em http://www.overmundo.com.br/overblog/sobre-o-cimento-frio



Leno de Andrade

5 comentários:

Marcão disse...

Caraca Leno, tu escontraste "Matos Alem", mostra pra Aline, ela tirou muita onda com esse bicho. quando será que ele vem aqui???

poderiam ter feito essa pergunta

gostei, valeu Leno...

Pseudokane3 disse...

Bom...
Digamos que, antes de mais nada, gostaria que tu me descreveste o que foi que o Bruno/Danilo fez. Logo ele? Que tanto parece ideologicamente com o talzinho de tua foto e texto?

Bom, eu tenho alguns problemas com esse tipo de ideologia neo-'beatnik', com essa coisa de "eu só durmo no Terminal porque não tenho dinheiro", mas admito que , se eu tivesse conhecido o cara pessoalmente que nem tu, talvez eu gostasse mais...

Esse meu problema com a idealização da bebida também esbarra no teu respeito para com o carinha da foto, mas nada que me pareça de todo indelével... VOu reler... Vou procurar saber mais sobre ele...

pela entrevista, ele parece uma espécie de contemporaneização do personagem principal do romance "Fome", do norueguês Knut Hamsun. Já ouviste falar? Li por acidente na BICEN e, "boceta virgem do céu", algumas possições defendidas são iguaizinhas...

Mas, deixa quieto, acho que sou moralista demais, o mais burguês de Gomorra, conforme brinco de vez em quando... Ai, Deus, de que me adianta de vez em quando? Penso...

Obrigado pelo garimpo poético.
Tu és uma gracinha (com ou sem "segredo" à mostra - hehehe)

WPC>

Unknown disse...

Talvez eu tenha cometido uma injustiça com Danilo, deveria eu ter dado uma exemplo do grupo que eu chamei de acéfalos, o qual não imcluo Danilo, já que considero bastante sua forma de pensar e agir. Mas o atrito realmente aconteceu.O que eu consigo lembrar é que Danilo repreendeu ironicamente Valter por que este jogou uma embalagem de bombom no chão da universidade, e disso começou uma discussão, acho q nesse momento entrei no alojamento e voltei por ouvir a voz de Rafael alterada dicutindo com Feop, eu lembro que Rafael dizia coisa do tipo "vc discuti inclusão social, mas não pratica".

Unknown disse...

Ah Wesley! Não quero mudar sua maneira de pensar, mas dizer como penso. Acho que você não deve valorizar ou desvalorizar suas ações por rotularem de burguesas ou não, mas por uma reflexão pessoal sua. Não vou conseguir ser muito claro aqui. Mas, tipo, um dia desse me falaram mal de Los Hermanos dizendo que eles são burgueses, aí eu disse "Ah então a burguesia ainda me dar coisas boas". Dizer que tal banda é burguesa não é motivo bastante pra eu deixar de gostar. Mas não nego que possamos ter atitudes que são inerentes da burguesia que eu posso detestá-la.

Anônimo disse...

aEu conheci essa figura inexorável na calçadinha da praia de Tamabaú, em João Pessoa/PB.. TUDO QUE ESTÁ ESCRITO NA ENTREVISTA, é verdade. Ele me disse a mesma coisa

EHAuHAEUeaHeahehaUHAE